Na noite do último domingo (25), um entregador a serviço de uma hamburgueria de Goiânia (GO), foi vítima de uma ofensa racial levada a cabo por uma cliente, segundo o estabelecimento. Em troca de mensagens no aplicativo iFood, a suposta agressora disse ter impedido a entrada do motoboy no condomínio por ele ser negro e pediu por um profissional branco.
Segundo relato da administradora da hamburgueria, o entregador só tomou conhecimento das mensagens depois que ela relatou a conversa. “Esse preto não vai entrar no meu condomínio. Mandar (sic) outro motoboy que seja branco. Eu não vou permitir esse macaco”, teria dito a cliente.
Ao notar a agressão, a gerente alertou que racismo não é uma prática tolerada pela empresa, ao que a interlocutora teria respondido “Adeus. Não uso restaurante judaico”. Em seguida, o entregador foi orientado a voltar para a lanchonete sem entregar o pedido. O mesmo motoboy teve de fazer mais duas entregas no mesmo condomínio durante seu turno.
Toda a conversa foi divulgada no Instagram do estabelecimento, cujo empresário abriu um Boletim de Ocorrência na Polícia Militar de Goiás (PMGO) nesta terça-feira (27). Com a repercussão do caso, o estabelecimento decidiu suspender as vendas e operações no dia.
De acordo com Éder Leandro Rocha, proprietário do restaurante, em nenhum momento a cliente recuou, pediu desculpas ou alegou que as mensagens foram enviadas por outra pessoa usando seu perfil. O nome da agressora não foi divulgado pela hamburgueria.
Caso é de injúria racial, mas pode evoluir para racismo, diz advogado
Casos assim muitas vezes chegam à Justiça caracterizados como injúria racial, que consiste em “ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem”, afirma o advogado José Antônio Milagre, especialista em Direito Digital e Crimes Cibernéticos
“Infelizmente, a lei penal não está preparada para lidar com a gravidade de fatos como este”, completa. Ao responder por crime de injúria racial, a ofensora pode sofrer pena de reclusão que varia de um a três anos e multa. No entanto, ela poderia responder ao processo em liberdade mediante o pagamento de fiança.
Já o crime de racismo, segundo Milagre, atinge a coletividade. “No entanto, a questão pode também caracterizar crime de racismo, já que não houve apenas a injúria racial, mas a discriminação ou preconceito com o impedimento do acesso a uma residência por questão de raça”.
Caso seja autuada por racismo, a agressora não terá direito a fiança nem contará com o benefício de uma possível prescrição.
iFood bane perfil
A plataforma iFood, que foi utilizada para operar a venda e onde foi feita a troca de mensagens durante a entrega, afirma ter banido o perfil acusado de ter cometido a agressão. Leia abaixo o posicionamento oficial.
“O iFood identificou a usuária agressora da plataforma e a baniu imediatamente. A empresa presta solidariedade ao entregador e está em contato para oferecer apoio psicológico.
O iFood reitera que repudia qualquer ato de discriminação racial e preza pelo respeito à diversidade em todas ações que realiza. Nestes casos, é importante que seja feito registro de boletim de ocorrência (BO) e contato com a empresa pelos canais oficiais de atendimento via aplicativo.
Ao receber qualquer tipo de relato como este, o iFood apura as ocorrências e, quando comprovado o descumprimento dos termos e condições de uso, desativa o cadastro dos envolvidos. A empresa está à disposição para colaborar com a investigação do caso”.
Sobre a atuação de plataformas, como o iFood, Milagre cita o Marco Civil da Internet, alegando que a responsabilização só pode acontecer se houver omissão mesmo quando a intermediadora está ciente do caso. “Assim, o Ifood, como meio, não pode ser diretamente responsabilizado, até porque não realiza monitoramento prévio”, conta.
“Porém, a partir do momento que, ciente do crime, se não tomar as medidas cabíveis ou dificultar o fornecimento dos registros que apontem a autoria do ofensor, [o serviço] poderá ser responsabilizado”, alerta Milagre.