O Brasil é o sétimo país do mundo onde os trabalhadores mais fazem horas extras. De acordo com pesquisa da seguradora internacional Maxis GBN, no país a média é de 18 horas a mais trabalhadas por mês — ou seja, pouco mais de dois dias trabalhados de uma jornada de oito horas.
Então o que será que leva nossos cerca de 91,8 milhões de brasileiros ocupados, segundo o IBGE, a extrapolarem as horas normais de trabalho? Quando o tempo a mais é algo pontual, faz até sentido. Mas incorporar uma rotina extra no emprego pode ser danoso à saúde e um indicador de mau gerenciamento do tempo.
No lado oposto do absenteísmo, o presenteísmo é algo muito notado em outra nações que aparecem no mesmo levantamento. Em primeiro lugar na lista, o trabalhador dos Emirados Árabes Unidos fica em média 24 horas a mais no trabalho a cada mês. Naquele país, 71% afirmam que o seu ambiente de trabalho sofre de presenteísmo. Enquanto no Reino Unido, que aparece em oitavo lugar na pesquisa da Maxis GBN, o excesso de presença das pessoas no local de trabalho foi sentido por 86% dos empregados no país em 2018, segundo o blog do Fórum Econômico Mundial.
Uma comparação com outro termo trazido para o “presenteísmo” por uma pesquisa citada no blog anterior, é “pessoas indo ao trabalho doentes” (em tradução livre). Isso significa que aqueles 86% dos entrevistados afirmaram que houve casos de pessoas indo ao trabalho mesmo quando reclamando de alguma doença.
País |
Média de horas extras trabalhadas por mês |
1º Emirados Árabes Unidos |
24 |
2º Estados Unidos |
23,2 |
2º Hong Kong RAE |
23,2 |
3º França |
22,4 |
4º Índia |
21,2 |
4º Rússia |
21,2 |
7º Brasil |
18 |
8º Reino Unido |
17,2 |
9º México |
16 |
10º África do Sul |
14,8 |
Trabalho em excesso e esgotamento
Recentemente um termo começou a dar medo e ficou famoso entre os trabalhadores e líderes: a síndrome de burnout. O conjunto de sintomas que ela representa é derivado do estresse e excesso de trabalho, que leva ao desgaste físico e emocional da pessoa. Recentemente a Organização Mundial da Saúde a incluiu na nova Classificação Internacional de Doenças (CID) como “um fenômeno ligado ao trabalho”.
“A síndrome de burnout é um estado físico, emocional e mental de exaustão extrema, resultado do acúmulo excessivo em situações de trabalho que são emocionalmente exigentes e/ou estressantes, que demandam muita competitividade ou responsabilidade, atinge em sua maioria as áreas de educação e saúde”, explica a médica especialista em segurança do trabalho da empresa de segurança e saúde ocupacional SEG, Thais Tanno. “Conhecida também como ‘síndrome do esgotamento profissional’, ela é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros”, continua.
A médica sugere que a melhor forma de prevenir a síndrome “é não ter tanta cobrança de si mesmo no trabalho, saber equilibrar a vida profissional e pessoal, além de exercer atividades divertidas que trazem alívio ao estresse. Em casos que notam-se alguma mudança psicológica, deve-se procurar um profissional para tratamento”, conclui.
Coreia do Sul e Japão vêm aplicando políticas de redução de horas trabalhadas desde 2018. O governo coreano reduziu, no ano passado, o limite da jornada semanal de trabalho de 68 para 40 horas — ainda permitindo até 12 horas extras — numa tentativa de diminuir o excesso de trabalho crônico. Logo ao lado, atravessando o Mar do Leste, empresas japonesas têm tentado combater um fenômeno chamado karoshi, a morte por privação de sono. Lá, 71% dos homens afirmam dormir menos de 7 horas por dia, segundo a Sociedade Japonesa de Pesquisa no Sono, onde 30% deles afirmam que só dormem se consumir álcool, isso causado pelo foco demasiado no trabalho ininterrupto.
O Japão coleciona casos de pessoas morrendo por excesso de horas extras. O Fórum Econômico Mundial levantou dois deles: em 2013 uma jornalista morreu por problemas cardíacos depois de acumular 159 horas extras em um mês e, em 2017, um mecânico de 57 anos teve uma arritmia fatal ao passar mais de 100 horas extras trabalhando em um projeto.
A mesma matéria que relata as mortes acima, traz um gráfico publicado em 2016 numa revista científica mundial, a Science Advances, que levantou a quantidade de horas dormidas em 20 países. A publicação mostra uma média em minutos das nações onde as pessoas dormiram mais ou menos que oito horas por noite. Na lanterna da tabela, o Brasil aparece em 17º lugar, na frente apenas de Japão e Singapura, sendo um dos três países analisados onde as pessoas dormem menos.
É possível não trabalhar tanto?
O que está em jogo quando falamos de excesso de trabalho, presenteísmo e burnout é a verdadeira necessidade de passar aquelas horas extras sentadas em frente ao computador da empresa — como afirma a pesquisa, medida comum no Brasil. É um fato que há diversas culturas organizacionais ou mesmo líderes que valorizam aquela hora trabalhada a mais além da carga horária diária do empregado. Veem ali uma prova do engajamento e compromisso daquela pessoa. No entanto, até onde isso é realmente necessário? O que é mais importante: entregar seu trabalho bem feito ou cumprir uma tabela de horários?
Nesse ponto, recentemente o colunista do Administradores Guy Kawasaki trouxe um caso de uma empresa que funciona apenas cinco horas por dia.
A Tower Paddle Boards, fabricante de pranchas de Stand-up Paddle só abre suas lojas — e apenas atende online ou por telefone — das 8 da manhã às 1 da tarde. E, segundo o CEO Stephan Aarstol, a produtividade aumentou, o tempo gasto com o serviço feito diminuiu e a receita aumentou 21% desde a implantação da medida — os gastos também diminuíram. Aarstol ainda aponta que formas de trabalho tal qual home office, trabalho remoto e afins, são formas que os trabalhadores do conhecimento buscam para sair do escritório e utilizar melhor o seu tempo. No entanto, claro, ele pondera: a fórmula das cinco horas por dia não se aplica para todas as profissões. Trabalhos como os de policiais, enfermeiros, médicos e outros postos que são pagos para cobrir um tempo de serviço e não necessariamente entregar um produto (projeto) pronto, a fórmula é pouco aplicável.
O caminho para gerenciar seu tempo
Como o próprio CEO também fala no artigo, a organização do tempo é um fator fundamental para a mudança. Tudo bem, pode ser que na próxima segunda-feira não seja o CEO da sua empresa que chegue com a novidade da redução de horário e você continue com as oito horas diárias. Normal, afinal essa já é a sua realidade. Para evitar esse tempo extra em exagero, o gerenciamento é a melhor saída.
Com a palavra, Stephan Aartsol: “A ideia de se definir uma agenda ou um prazo para completar um projeto é uma ferramenta de gerenciamento largamente utilizada para assegurar que as pessoas estão sendo produtivas. Você está basicamente criando um limite de tempo para projetos a longo prazo. Todos concordam que isso é necessário ou as companhias não seriam tão produtivas uma vez que os projetos iriam saturar. Como uma esponja, as iniciativas iriam se encher de mais e mais tempo desnecessariamente. Nada iria, um dia, terminar. É exatamente o mesmo princípio no trabalho ao criar um limite diário de cinco horas por dia. Se amanhã é determinado que você só tem cinco horas para terminar o seu trabalho ou você será demitido, você magicamente o termina”.
A psicóloga Fernanda Torchetto indica que atitudes do cotidiano podem ser mudadas para um aproveitamento melhor do tempo, seja no trabalho, em projetos, ou mesmo no tempo livre. “Monitore-se, desde a hora que acorda, até a hora que vai dormir. O ideal é fazer isso durante uma semana inteira”, aponta. Assim, é possível que você se dê conta de que algumas atividades podem facilmente ser descartadas, já outras, imprescindíveis, estão sendo mal administradas.
Um modo de otimizar as tarefas essenciais é dividir sua realização em etapas, fazendo um pouco a cada dia. Entre as atividades que são essenciais para sua rotina no trabalho ou dentro de casa, determine as prioritárias. Ante isso, estabeleça prazos de entrega. Obviamente, as tarefas mais importantes deverão ser cumpridas antes das menos importantes. Para não se esquecer o prazo e a atividade prioritária, lembretes pela casa, por exemplo, podem ser de muita utilidade. Indicado por Torchetto, estabelecer recompensas também é um artifício que pode ajudar no cumprimento das atividades dentro do prazo estipulado.
Naturalmente, demandas surgem ao longo dos dias e das horas — no trabalho ou em casa — por isso a psicóloga pondera que é necessário estabelecer exceções às regras, permitir a realização de atividades que não fazem parte do cronograma. “Por fim, a pessoa que deseja utilizar melhor o seu tempo, não pode subestimar o poder do descanso. Seja durante o trabalho, materializado em uma pausa para o café ou para fazer um lanche. Seja após um dia árduo de trabalho, através de práticas esportivas ou outras atividades de lazer, como ver um filme com a família”, conclui.
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