Quando pensamos em pessoas “superdotadas”, é comum logo imaginarmos crianças com habilidades impressionantes ou adultos que alcançam grande destaque acadêmico, associando a superdotação a um fenômeno raro, que acompanha uma figura de um inventor ou nerd genial. A verdade, no entanto, é que muitas pessoas com as chamadas “altas habilidades” ou “superdotação” (de sigla AH/SD) crescem sem passar por um processo adequado de identificação formal, e assim adentram o mercado de trabalho “sob um manto da invisibilidade”.
É o que explica a autora Christine Da Silva-Schröeder, professora e pesquisadora em Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no seu livro “A diversidade invisível: as pessoas AH/SD e a vida profissional”.Recém-lançado, a obra traz uma importante discussão sobre possíveis demandas, conflitos e necessidades relacionadas à vida profissional de indivíduos superdotados no contexto brasileiro. E também busca abrir caminho para uma agenda que aproxime a questão das altas habilidades com as práticas de gestão de pessoas nas organizações. Seu objetivo é ser “uma contribuição para os estudos e práticas organizacionais em diversidade e inclusão no Brasil”, constituindo uma leitura relevante para gestores, estudantes e pesquisadores em gestão de pessoas.
Conversamos com a autora do livro, Christine Da Silva-Schröeder, sobre o assunto. Confira:
Administradores: O título do livro se refere à diversidade de pessoas AH/SD como “invisível”. Por que essa questão passa tão despercebida?
Christine Da Silva-Schröeder: Nós entendemos que a diversidade AH/SD seja praticamente “invisível”, uma vez que a própria neurodiversidade (que, de forma geral, se refere a pessoas com funcionamentos cerebrais divergentes, como, por exemplo, transtorno do espectro autista – TEA e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade – TDAH, dentre outros) aparentemente ainda é muito pouco abordada pela academia em Administração e pelas organizações no Brasil.
Em um dos capítulos do livro, apresentamos um levantamento neste sentido, inclusive. A questão do autismo, por exemplo, apenas muito recentemente e de forma ainda muito restrita e tímida, vem sendo contemplada pelos estudos e práticas: os próprios guias nacionais de diversidade mais consagrados sequer mencionam questões de neurodiversidade; nas discussões que acompanhamos, por exemplo, em redes profissionais, não vemos tal discussão no radar das consultorias, bem como, para além disso, sequer encontramos qualquer menção especificamente a altas habilidades e superdotação em estudos nacionais em Administração e mesmo dentro de discussões no que tange à própria neurodiversidade, embora, sim, AH/SD também constitua um “funcionamento” neurodiverso.
Acrescente-se a isto a própria invisibilidade do adulto AH/SD no cotidiano: esse adulto frequentemente já passou pelo contexto escolar, e mesmo pela vida social e familiar, muitas vezes sem um processo de identificação amplo, multidisciplinar e sério que fosse capaz de visibilizar habilidades e características acima da média, como, por exemplo, alta criatividade, muita curiosidade, complexidade de raciocínio e argumentação, alto senso moral e de justiça, múltiplos interesses, sobre-excitabilidades diversas dos sentidos e das emoções, dentre outras – e essa invisibilidade da pessoa AH/SD potencialmente permanece, ou até se amplia, no mundo do trabalho, que frequentemente tem dificuldade prática em perceber, aceitar e incluir a diferença em todas as suas expressões.
De que maneira essa falta de visibilidade, de discussões sobre o tema, afeta a vida profissional de pessoas AH/SD?
A vida profissional do sujeito AH/SD pode ser afetada em diferentes níveis, tal como sua vida pessoal como um todo. Frequentemente estas pessoas experimentam senso de inadequação, de se sentirem “estranhas” demais, pouco aceitas, pouco acolhidas – e isto apresenta um alto potencial para o desenvolvimento de transtornos como ansiedade, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo – que, claro, não são transtornos característicos exclusivos de AH/SDs, mas que se veem potencializados quando estas pessoas não desenvolvem seus potenciais com o maior espaço possível e se sentindo respeitadas e aceitas por seus pares.
E isto configuraria uma questão de saúde do trabalho importante. A ideia de “gênio”, de alguém perfeito, infalível, o “arrogante” que “sabe demais”, além disso, só potencializa a exclusão. O tema está ainda cercado por mitos (no livro destacamos mais de vinte!), quando na verdade pessoas AH/SD são apenas indivíduos com sensibilidades e funcionamentos cerebrais bastante intensos.
A bem da verdade, tudo que fazem, o fazem muito intensamente. Nas organizações, tendem a se envolver muito, a ponto de se sobrecarregarem, ou, de outro lado, ocultarem suas próprias ideias e contribuições por receio de estas não serem ouvidas, enquanto que, ao mesmo tempo, podem experimentar muita solidão e frustração. No fundo, não querem ser vistos como “melhores” do que ninguém, mas querem ser reconhecidos e respeitados em ambientes e relações que lhes permitam expressar o melhor de si.
E quanto às organizações? O que as empresas perdem por não terem uma maior compreensão sobre este tema?
As empresas perdem muito! Perdem em identificação e potencialização de mais criatividade, curiosidade, inovação e, por fim, diversidade em seus quadros, inclusive contemplando interseccionalidades: pessoas AH/SD podem ser deficientes físicos, podem ser negras, podem ser LGBT+…há muito o que se refletir e construir nessa discussão no Brasil!
Claro que a valorização do ser humano em suas diversidades precisa ser um valor em si, para além de modismos, demandas por “comoções sociais” e com ações apenas originadas por pressões de responsabilidade social corporativa, de sanções legais. Em mais de um ponto do livro sugerimos que haja discussão até mesmo sobre o termo “talento”: ele está se “esvaziando” no campo da gestão há algum tempo.
Assim, para além de se pensar em “talentos”, sobretudo com o enfoque aparentemente banalizado com que o termo “talento” vem sendo apresentado, é preciso pensar em pessoas com funcionamentos cerebrais diferentes nas organizações – o que não se revela apenas em termos cognitivos, mas principalmente sensoriais, emocionais…não se trata, contudo, de “sair fazendo teste de QI” em funcionário – no livro revisitamos várias teorias e realizamos uma pesquisa qualitativa que, sim, esclarecem que a identificação é um processo maior, não-pontual e bem mais delicado. Por fim, incluir não deve acontecer porque “está na moda”: incluir NÃO é opcional.
Serviço
Título: A diversidade invisível: as pessoas AH/SD e a vida profissional – Livro 1: primeiros olhares
Autor: Christine Da Silva-Schröeder
Preço: R$ 24,99 (versão e-book); USD$ 5,00 (impresso on demand – paperback)
Selo: Independently Published
ISBN-13: 979-8668489152
Formato: 16×23 (impresso)
Gênero: Gestão de Pessoas; Diversidade e Inclusão
Lançamento: Julho de 2020
Páginas: 111