Seres humanos tomam milhares de decisões todos os dias; por esse motivo, decisões similares acabam se tornando automáticas, sem haver a devida reflexão sobre a tomada de decisão. Decisões automáticas ou “atalhos mentais” protegem a mente contra desgastes desnecessários e nos ajudam a tomar medidas rápidas. No entanto, atalhos mentais podem levar a vieses cognitivos, ou seja, a erros sistemáticos sobre a realidade.
Vieses cognitivos nos levam a preconceitos, momentos em que temos uma interpretação errônea das informações por conta de uma distorção em nosso julgamento da realidade. Tais tendências acontecem porque a mente identifica padrões baseados em experiências passadas que levam a um desvio de racionalidade e reflexão. Há mais de 50 tipos de vieses cognitivos, no entanto, destaca-se aqui o viés do autoatendimento pelo impacto que pode ter nos programas de compliance.
O viés ou preconceito de autoatendimento acontece quando atribuímos a nós mesmos mais responsabilidade por feitos positivos e atribuímos menos responsabilidade por nossas falhas. Por exemplo, você pode atribuir como sua responsabilidade o sucesso de um projeto dentro da empresa, quando na realidade uma grande equipe foi responsável junto com você. Ou você pode ainda atribuir apenas para uma pessoa ou a um grupo o insucesso de um projeto empresarial, sendo que na realidade você participou do projeto e teve sua parcela de culpa pelas falhas.
O grande problema com o viés do autoatendimento é que esse fenômeno previne que o sujeito enxergue suas próprias transgressões éticas. Pode ocorrer que uma pessoa atue de forma antiética e não reconheça as consequências negativas por acreditar que a sua atitude não foi de fato antiética, distorcendo, assim, a realidade. Ao se deparar com uma conduta antiética que praticou, o sujeito ativa o atalho mental que reforça para si mesmo ter agido de forma ética. Ademais, a orientação está associada também à racionalização superficial, que acontece quando tentamos justificar uma atitude antiética por meio da razão, mas sem aprofundar na reflexão. A ponderação rasa sobre uma ação pode levar a justificativas distorcidas para validar o comportamento antiético.
No âmbito do compliance esse é um ponto de grande atenção. É preciso que a equipe de compliance esteja sempre vigilante às suas próprias ações para que não caia em um atalho mental ao se deparar com situações de não conformidade dentro do departamento. Afinal, a equipe deve estabelecer a cultura ética da empresa e ser exemplo de uma atuação ética.
Ainda, para os colaboradores que atuam de forma antiética, a enorme maioria pode se enquadrar nesse viés, de forma que não enxergam a sua atitude como uma atitude antiética. Assim, é essencial o combate a tais atitudes e a instrução do colaborador para que compreenda seu comportamento errôneo. Assim, o programa de integridade pode auxiliar, prestando esclarecimentos e informações para o colaborador para auxiliá-lo a compreender a sua conduta antiética. Tal fato pode prevenir a ocorrência de ações de não conformidade no futuro, pois assim o colaborador estará mais atento aos seus próprios atos.
Por fim, ainda que treinamentos de conformidade e procedimentos internos sejam instituídos, todos estão sujeitos ao viés do autoatendimento, que pode levar a atitudes de não conformidade. Assim, para combater esse fenômeno é preciso estar atento e diligente às suas ações diárias, bem como é essencial repreender e promover o conhecimento para colaboradores que atuam com tal viés. Vale ter em mente também que o profissional de compliance deve analisar a fundo dilemas éticos, além de se abster de casos em que possa haver conflitos de interesses, por exemplo, a respeito de atitudes antiéticas cuja investigação envolva a si mesmo, amigos ou parentes.
* Gabriela Diehl é cofundadora da Be Compliance.