O empreendedor Tony Hsieh, fundador da Zappos.com, faleceu no dia 27 de novembro, nos EUA, vítima de um incêndio em sua casa. Empreendedor há mais de duas décadas, Hsieh tinha 46 anos, e foi um dos líderes mais visionários de sua geração. Além da construção de um negócio bilionário, Tony Hsieh também deixa como legado lições essenciais para as próximas gerações de líderes e empreendedores. Entre os ensinamentos do fundador da Zappos está a importância de viver sempre aproveitando o presente. “A vida é cheia de surpresas e meu objetivo é aproveitá-la o máximo possível”, disse Hsieh ao Portal Administradores há quase uma década. Abaixo, relembramos a carreira de Tony Hsieh e trazemos a entrevista feita com ele em 2011.
Trajetória
Tony Hsieh tinha apenas 24 anos quando vendeu sua primeira empresa, a LinkExchange, para a Microsoft, em 1998, por US$ 265 milhões. Foi um negócio impressionante, principalmente para um jovem que fundou seu primeiro empreendimento poucos meses depois de ter se formado na Universidade de Harvard. O valor da aquisição, no entanto, pareceria pequeno, anos depois, quando comparado à venda da segunda empresa de Hsieh, a Zappos.com. Em 2009, o negócio foi comprado pela Amazon em um acordo de aproximadamente US$ 1,2 bilhão.
Com a Zappos, Tony Hsieh mostrou que, além de seu espírito inovador, um de seus pontos fortes era a preocupação com todas as pessoas envolvidas em seus negócios. Ao apostar em uma abordagem totalmente voltada para a satisfação de clientes e funcionários, o empreendedor criou uma empresa que, além de se tornar a maior vendedora de sapatos pela internet em todo o mundo, também virou referência para o mercado.
Depois da venda para a Amazon, Hsieh continuou como CEO da Zappos.com, e liderou a empresa durante 21 anos — a saída do cargo só aconteceu em agosto de 2020. Hsieh estava, então, apenas no terceiro mês de sua “aposentadoria”, quando faleceu na semana passada. “O mundo perdeu um tremendo visionário e um ser humano incrível”, lamentou a Zappos em um comunicado. “A bondade e generosidade de Tony tocou a vida de todos ao seu redor, pois seu mantra era “Entregar Felicidade” aos outros. Seu espírito fará parte da Zappos para sempre, e continuaremos a honrar sua memória nos dedicando a continuar o trabalho pelo qual ele era tão apaixonado”, dizia ainda o texto em homenagem ao fundador da empresa.
Entrega de felicidade
Para Tony Hsieh, a felicidade era a base de seu negócio. Em entrevista ao Portal Administradores em 2011, o empreendedor explicou que um dos segredos do sucesso da Zappos era a motivação de seus funcionários — ele afirmou que era necessário que toda a equipe estivesse feliz para que o negócio desse certo. “Para qualquer empresa que quer construir sua marca em torno de fornecer um excelente serviço, a cultura vai fazer uma enorme diferença. É difícil providenciar um ótimo serviço onde os funcionários estão infelizes”, disse Hsieh.
Na ocasião da entrevista, o CEO já era bilionário há quase dois anos, tinha um livro bestseller publicado, o Satisfação Garantida (Delivering Happiness, no original), e era um profissional admirado em todo o mundo. Sua visão de sucesso, no entanto, era simples: “Para mim, a definição de sucesso é você estar verdadeiramente bem, mesmo perdendo tudo o que possui”, explicou.
Ao final da conversa, ao perguntarmos onde ele se via dali a 10 anos, Tony Hsieh surpreendeu mais uma vez: nada de grandes planos para novos negócios, metas de expansão ou aspirações para estabelecer um legado. Seu objetivo era aproveitar a vida. “Eu geralmente não planejo ou penso no que vem pela frente, porque as coisas nunca acontecem do jeito que você acha que vão acontecer. A vida é cheia de surpresas e meu objetivo é aproveitá-la o máximo possível”.
Confira a entrevista na íntegra, publicada originalmente na Revista Administradores, em Fevereiro de 2011:
Administradores: Você sempre apresentou um espírito empreendedor e buscou levar criatividade em tudo o que faz. O que leva você a ser tão criativo?
Tony Hsieh: Para mim, conhecer muitas pessoas diferentes de diversas origens sempre me dá novas perspectivas e percepções que eu acho que ajudam a me tornar mais criativo. As perspectivas você pode obter em determinado desafio, a criatividade você pode conseguir enfrentando esse desafio.
Você costuma dizer que a paixão é muito importante para fazer negócios. Por quê?
Nos negócios, a paixão é o que ajudará nos tempos difíceis. Também, essa paixão irá motivar seus funcionários, que afetarão seus clientes e colegas de trabalho.
Seus pais são originalmente de Taiwan. Houve alguma lição especial que eles ensinavam e que ajudou a se tornar esse empresário bem sucedido?
Acho que uma das lições mais importantes que eu aprendi deles foi não ter medo.
Em seu livro “Satisfação garantida” você indica que trabalhar com felicidade é um bom negócio. Mas o que é sucesso para você? O que é felicidade para você?
Para mim, a definição de sucesso é você estar verdadeiramente bem, mesmo perdendo tudo o que possui.
Quando você vendeu a LinkExchange para a Microsoft, a empresa ofereceu um bom salário para continuar mais 12 meses. Porém, em seu livro, você diz ter perdido a felicidade em trabalhar ali e saiu antes desse prazo. Você se arrepende de deixar a Microsoft e desistir dos oito milhões de dólares?
Em geral, eu costumo me arrepender de coisas que eu não fiz, não de coisas que eu fiz e que não deram certo.
Você assumiu um grande risco ao colocar quase todos os seus fundos pessoais em Zappos quando a empresa estava passando por problemas. Como você decidiu que deveria assumir esse grande risco e até onde poderia ir com ele?
Para mim, isso apenas veio por realmente acreditar no futuro de Zappos e por saber que tínhamos o time certo para fazer isso acontecer. Também, o pior cenário nunca foi tão ruim assim. Eu nunca estive em risco de fome ou de ser sem-abrigo.
A Zappos ficou conhecida pelo atendimento exemplar ao consumidor. O que desencadeou você a procurar o melhor atendimento e satisfação do cliente como um dos valores fundamentais da Zappos?
Eu sempre fui apaixonado pelo serviço ao cliente como um consumidor. Ao longo do tempo, percebemos que o melhor serviço que oferecemos para nossos clientes na Zappos é o mais leal atendimento, que cresceu bastante através do boca a boca.
A Zappos não parece investir muito no marketing tradicional. O que a equipe de marketing faz para ajudar a construir a marca, então?
Nós temos um departamento de marketing direto on-line, assim como um departamento de marketing da marca, que é focada principalmente em marketing off-line. Entretanto, a maioria do dinheiro que teríamos gasto em publicidade ou marketing pago, investimos no atendimento ao cliente.
Como você instrui seus funcionários do call center para manter um bom espírito de serviço ao cliente sem sacrificar seus equilíbrios emocionais?
Como com muitas coisas na Zappos, nós falamos para nossos funcionários para serem simplesmente reais e usarem suas melhores opiniões.
Por que você acredita que a cultura da empresa é tão importante?
Para qualquer empresa que quer construir sua marca em torno de fornecer um excelente serviço, a cultura vai fazer uma enorme diferença. É difícil providenciar um ótimo serviço onde os funcionários estão infelizes.
Empresas tradicionais de comércio eletrônico tendem a se concentrar em transações de baixo preço e são considerados impessoais nos negócios. No entanto, você foi capaz de respirar um elemento humano no comércio eletrônico, o que não é típico. Como você chegou até essa abordagem?
Descobrimos que os clientes que estão focados apenas em preços baixos não eram mais leais em relação aos concorrentes que ofereciam esses preços.
A Zappos tenta contratar apenas pessoas que cabem na cultura dela. Como você encoraja a diversidade se a força de trabalho é homogênea?
Para nós, a diversidade é encapsulada nos nossos valores fundamentais que definem nossos valores fundamentais. Por exemplo, sendo ‘mente aberta’, ‘humilde’ e ‘perseguidor do crescimento e aprendizado’ tudo aponta para abraçar a diversidade.
Qual, na sua concepção, é a melhor maneira para que os funcionários vivam os principais valores da organização?
O caminho mais fácil é simplesmente contratar funcionários cujos valores pessoais já se encaixem com os valores fundamentais da organização. Então você não tem que treiná-los a viver num conjunto de valores diferentes.
É surpreendente que a Zappos forneça importantes informações importantes para os fornecedores através da sua extranet. Alguém poderia pensar que informações sobre vendas é a melhor arma que um varejista pode ter. Você estava nervoso em desistir dessa arma?
Um dos nossos valores fundamentais é “Construir relações abertas e honestas com a comunicação”. Nossa maior força é nossa cultura e valores fundamentais e assim fornecer as informações aos nossos fornecedores era mais consistente com nossos valores fundamentais do que não fazê-lo.
Mesmo quando a crise atingiu o comércio eletrônico em 2008, Zappos conseguiu atingir 1 bilhão de dólares em vendas de produtos negociados em 2009. Existia alguma nova estratégia ou abordagem para Zappos durante esse período?
Não, nós continuamos a crescer por causa dos investimentos que nós tínhamos feito em atendimento ao cliente antes de 2008. Não por causa de nada que nós fizemos de diferente em 2008 ou 2009.
Você é um grande fã de redes sociais, como Twitter e Facebook. Inclusive, incentiva funcionários ao uso dessas ferramentas. Como as empresas devem alterar ou corrigir as suas estratégias de mídia social, a fim de ajustar-se a mudança da relação entre os consumidores, marca corporativa, comunicações e essa rápida mudança de ambiente?
Seja com Twitter, Facebook ou qualquer coisa do tipo, a próxima coisa é: o caminho mais fácil de lidar com tudo é apenas encorajar funcionários para serem reais e usar seus melhores julgamentos.
Como um empreendedor e empresário, qual a melhor lição que você aprendeu e qual o pior erro que cometeu?
A maior parte dos erros tem sido com a contratação. Se somarmos os custos de todas as más contratações que fizemos na Zappos e as decisões ruins, isso custou à empresa mais de 100 milhões de dólares.
Onde você se vê daqui há 10 anos?
Eu geralmente não planejo ou penso no que vem pela frente, porque as coisas nunca saem do jeito que você acha que elas vão. A vida é cheia de surpresas e meu objetivo é aproveitar o máximo possível.