São diversos os fatores que, combinados, podem levar uma empresa a uma situação financeira insustentável, estejam eles ligados ao manejo dos seus recursos, à própria administração ou a um planejamento ineficaz. Com o objetivo de superar a crise que a atinge, a empresa devedora pode recorrer ao procedimento da recuperação judicial, desde que apresente as condições necessárias e demonstre estar apta para a superação da sua crise econômico-financeira. É necessário, portanto, que se verifique a sua viabilidade.
Quando os ativos da empresa não são suficientes para saldar as dívidas contraídas, contudo, e atingem o chamado estado de insolvência, a decretação de falência torna-se uma realidade. Segundo a Lei nº 11.101 de 2005, ela é o mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial, por meio da liquidação imediata da empresa devedora para realocar os seus ativos. Em outras palavras, é feita a apuração e venda dos bens da empresa para pagamento dos credores na ordem prevista em lei.
A empresa, a partir da decretação da sua falência, ficará inabilitada de exercer qualquer atividade empresarial, perdendo o direito de administrar e dispor de seus bens. É o que preveem os artigos 102 e 103 da lei, que atualmente estão sujeitos a alteração pelo Projeto de Lei nº 690 de 2021, cujo substitutivo foi apresentado pelo deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) e aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados.
O texto do substitutivo do projeto procura trazer mudanças na decretação de indisponibilidade de bens particulares dos sócios da empresa falida, prevista no artigo 82, §2º da Lei nº 11.101/2005. Atualmente, a lei determina que o juiz responsável pelo procedimento da falência deverá apurar a responsabilidade pessoal dos sócios, controladores e administradores da empresa, podendo ordenar, de ofício ou a requerimento, a indisponibilidade de bens particulares destes, conforme o dano que eventualmente tenha sido provocado, até que sua responsabilização seja julgada. São casos em que os sócios tenham agido com culpa ou dolo no exercício de suas funções, em prejuízo à pessoa jurídica.
O projeto, contudo, pretende a alteração da norma para dispor que, na apuração da responsabilidade pessoal dos sócios, o juiz não poderá ordenar de ofício a indisponibilidade de seus bens particulares, mas dependerá de requerimento da parte interessada ou do Ministério Público, acompanhado de prova concreta e do devido convencimento.
Vale dizer que a responsabilização dos sócios, controladores e administradores em um processo de falência é embasada na prática de artimanhas e fraudes pelos envolvidos, de maneira a blindar o patrimônio contra os direitos dos credores. Com a desconsideração da personalidade jurídica da falida, é possível alcançar esse patrimônio e estender-lhe os efeitos da falência.
Recentemente, com as alterações trazidas pela Lei 14.112/2020, determinou-se que a extensão da falência e seus efeitos aos sócios, controladores e administradores da sociedade falida será vedada, a menos que se verifiquem os requisitos do artigo 50 do Código Civil. Este, por sua vez, prevê a desconsideração da personalidade jurídica em casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, desde que requerido pela parte interessada ou pelo Ministério Público.
Nessa mesma direção, o artigo 6º-C, introduzido na lei de recuperação judicial e falência, proíbe a responsabilização de terceiros pelo mero descumprimento de obrigações da empresa falida ou em recuperação judicial, ressalvadas as suas exceções. Observa-se um movimento legislativo que se preocupa com o preenchimento de determinados requisitos, com maior rigor, para que se possam atingir bens pessoais de terceiros.
Esse fato é reconhecido, também, na alteração pretendida pelo Projeto de Lei nº 690 de 2021, mencionado anteriormente, que procura trazer uma maior segurança no que se refere à responsabilidade limitada da empresa falida, ao afastar a arbitrariedade do juiz falimentar, além de se alinhar ao já previsto pelo Código Civil. Isto porque prevê a exigência de que o juiz se convença da credibilidade da alegação de fraude pela parte interessada ou pelo Ministério Público, para que então possa ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos envolvidos. Esse entendimento é fundamentado na condução imparcial do processo pelo magistrado, que atua somente quando provocado.
Em tempos de crise financeira, um processo de falência ou de recuperação judicial pode ser altamente complexo e desgastante para as partes envolvidas. É necessário que se identifique a estratégia mais indicada para cada caso, atuando de acordo com a realidade da empresa, seus sócios e demais partes envolvidas. Por isso, é imprescindível que se recorra a uma assessoria jurídica especializada.
* Paulo Barreto é advogado empresarial no escritório Dosso Toledo Advogados.