A discussão entre mais Estado e menos Estado, privatização e empresas públicas, mais ou menos regulamentação é eterna. Os dois lados são apaixonados e têm seus pontos positivos e negativos. No Brasil, há exemplos clássicos de cases que podem ser citados. Quem defende a iniciativa privada pode lembrar da telefonia pré-abertura, com linhas caríssimas, atendimento e estrutura deficiente.
Mas um case que funciona de forma curiosa, bem no nosso nariz, sem estar fora da lei, é a indústria do iGaming. Como você deve saber, o Brasil tem a restrita Lei do Jogo ainda imperando, promulgada pelo presidente Dutra na década de 40 do século passado. Antes disso o país tinha cassinos físicos bem credenciados, inclusive no majestoso Copacabana Palace.
Mas apesar de não ser possível ir até um lugar para jogar Blackjack valendo dinheiro, qualquer pessoa pode criar uma conta em um site, por exemplo, no 888 Casino Online, e fazer exatamente isso. Como?
O Brasil é uma área cinzenta
Ao redor do mundo há áreas cinzentas sob os cassinos online e apostas esportivas: a lei não permite exatamente, mas também não proíbe. No caso do Brasil, Dutra não foi um visionário a ponto de pensar na internet. As empresas de jogo têm servidores fora do país, portanto o brasileiro que se conecta para jogar não está fora da lei.
Quando as plataformas começaram a ganhar popularidade no país existia um certo receio. Aos poucos elas foram crescendo, traduzindo os sites para português do Brasil, aceitando métodos de pagamento como boletos e transferência bancária e tendo atendimento ao cliente no nosso idioma.
Hoje esse “atrevimento” foi muito além: times de futebol como Santos, Botafogo, Flamengo, Cruzeiro e muitos outros têm patrocínios de casas de apostas esportivas. Até instituições como a Federação Paulista de Futebol contam com empresas de iGaming como parceiras. Canais de televisão também aceitam essas companhias como patrocinadoras. Ou seja, elas estão dentro da economia brasileira.
Potencial não explorado
O começo da mudança foi a lei 13.756/18, promulgada pelo presidente Michel Temer. Ela abre o espaço para criação de uma nova legislação sobre apostas esportivas e o jogo. A expectativa é que essa indústria movimente até 6 bilhões de reais; para o governo o incentivo é claro: ganhar tributos.
Mas além dos impostos, também é possível a criação de empregos diretos e indiretos. Tudo isso por um mercado que já existe e um público consumidor que têm interesse no assunto.
Problemas, soluções e comparações
Portanto, como a situação está hoje não deve durar muito. Por isso é interessante avaliar como a desregulamentação pode ser benéfica ou ter pontos negativos. Para isso, é preciso comparar com outro país.
Portugal é um país tradicional no jogo, com cassinos de grande tamanho e uma nova lei do Jogo que focou nos produtos online. Por alguns meses os portugueses não conseguiam nem criar uma conta ou acessar os sites de cassinos online e sites de apostas esportivas, até que a lei ficasse pronta.
Hoje cada empresa precisa comprar uma licença e seguir uma série de normas estritas. Tudo sob supervisão do SRIJ (Serviço de Regulação e Inspeção do Jogo).
Com tantas regras e uma licença bastante salgada no preço, muitas empresas preferiram não atender mais o mercado português, o que não é bom para os clientes. Com menos concorrência, é até normal ver uma diferença nas odds oferecidas, pagando menos para os jogadores em comparação com outros países. Os bônus oferecidos também são mais modestos.
Ao mesmo tempo, a padronização é positiva. Ter uma regra geral para quais são os métodos de pagamento aceitos e de saque é algo bom, assim como ter atendimento ao cliente similar ao de concorrentes. O setor de jogo seguro e apoio ao usuário em geral é de qualidade.
Só que inovações têm menos espaço. Por exemplo, o atendimento por Whatsapp é mais comum no Brasil, assim como poder fazer depósitos em formas diferentes, até com criptomoedas, algo que também é permitido em cassinos de Las Vegas, por exemplo.
Um ponto difícil de discutir é a segurança. Sem uma grande barreira a ultrapassar, empresas de baixa qualidade e reputação duvidosa podem lesar os clientes se estes não ficarem atentos. E não há para onde reclamar. A autorregulação funciona bem no Brasil, com uma comunidade bastante ativa e diversos sites e produtores de conteúdo alertando sobre essas empresas, por exemplo.
Mas claro que isso não é o mesmo que a segurança jurídica criada em um ambiente como o de Portugal, onde é possível controlar muito melhor esse problema.
Voltando à introdução, onde falamos sobre as discussões entre regulamentação, mais estado ou menos estado, este setor tem claramente um case sensacional para ser analisado, com todos os problemas “clichê” apresentados: segurança x maior concorrência, é melhor ter regras claras ou isso engessa demais?