O termo “disrupção” foi cunhado por Clayton Chistensen, em 1995, e ganhou força em 1997, a partir da publicação de seu livro “O Dilema da Inovação”. A palavra tem sido utilizada cada vez mais no contexto empresarial frente à série de disrupções que vem acontecendo no mundo através das startups, como Netflix x Blockbuster, Airbnb x redes de hotéis, Uber x táxis, WhatsApp x serviços de SMS, Nubank x bancos, Wikipedia x enciclopédias, entre vários outros casos conhecidos.
Agora, qual é a relação da pandemia da Covid-19 com disrupção?
Para entender a reflexão acerca da resposta à essa pergunta, preciso explicar resumidamente os três graus de inovação: inovação incremental, radical e disruptiva.
– Inovação incremental: trata-se do aperfeiçoamento de produtos, processos, serviços. É como se estivéssemos subindo uma escada, degrau a degrau. Por exemplo, o lançamento de um novo modelo de iPhone pela Apple.
– Inovação radical: representa uma mudança drástica na maneira que o produto ou serviço é consumido. Geralmente, traz um novo paradigma ao segmento de mercado, que modifica o modelo de negócios vigente sem passar, aparentemente, por um processo gradual – como se pulássemos vários degraus. Aqui temos o exemplo dos CD Players para MP3 Players.
– Inovação disruptiva: pode ser considerada uma espécie de inovação radical, porém de maiores magnitudes, pois o impacto é tão grande que acaba gerando uma mudança no comportamento de consumo, tornando soluções anteriores obsoletas – ao invés de subir os degraus, mudamos para o elevador. Já citei alguns exemplos no início do texto, mas, indo na linha do exemplo anterior, o Spotify mudou o mercado da música – não só para consumidores, mas para os demais stakeholders.
Percebam que a inovação surge a partir de uma intersecção entre mudanças no mercado (às vezes quase imperceptíveis) e lançamento de novas soluções. No entanto, o estabelecimento de um novo status quo ocasionado pela disrupção é dado pela solução lançada, e não pelo contexto. Ou seja, se Daniel Ek e Martin Lorentzon não tivessem fundado o Spotify (ou similares) essa nova dinâmica estabelecida não teria emergido, e o mercado de música não teria sido vítima da disrupção naquele momento. Em suma, a disrupção, teoricamente, seria causada pela introdução de uma nova solução no mercado, gerando as mudanças no contexto.
E como chamamos quando o inverso acontece?
A Covid-19 exigiu repensarmos as estruturas do trabalho, a responsabilidade do poder público e privado perante as vulnerabilidades, o acesso à saúde coletiva, além de mudanças práticas e imediatas para pelo menos uma parcela da população, como:
- Escolas não podem dar aula presencial;
- Restaurantes não podem receber as pessoas;
- Reuniões não podem ser presenciais;
- Trabalho deve ser remoto (home-office);
- Máscaras são de uso obrigatório e álcool em gel recomendado;
- Turismo quase inviável;
- Teatro, cinema, museu, festas e outras formas de entretenimento estão fechadas;
- Aumento de consciência sobre aspectos sociais e ambientais, tanto na população quanto em organizações
Todos esses (e muitos outros) “produtos e serviços” que tiveram seu status quo abalado, passaram a ter necessidade imediata de inovar, seja digitalizando-se, criando novas soluções para novos problemas criados pelo novo contexto, mudando a mentalidade para se tornar mais ágil, pivotando seus negócios, mudando processos e gestão interna, entre muitos outros exemplos.
Talvez pela primeira vez na história recente, as organizações é que estão sofrendo disrupção, e não causando a disrupção.
Em diversas situações, tem sido dito que a pandemia acelerou transformações que já aconteceriam no longo prazo. É quase como se o novo coronavírus tivesse criado uma máquina do tempo e nos transportado para vários anos à frente. Esse salto temporal dado pela aceleração (ou disrupção) cria e amplia diversos problemas para organizações e pessoas em diferentes proporções…
Mas a inovação não serve para resolver problemas?
Essa necessidade urgente de adaptação que as organizações estão sendo expostas muitas vezes ofusca novas possibilidades. Enquanto precisam lidar com todos os vários problemas causados pela pandemia, é complexo conseguir dedicar atenção para identificar dores e problemas do “novo normal” para pensar em como podem utilizar suas capacidades e/ou criar novas capacidades para inovar e resolver essas lacunas.
Sem dúvidas o coronavírus tem nos ensinado na marra muitas coisas novas em diversos aspectos profissionais e pessoais. As pessoas (não todas) parecem estar mais conscientes dados os notórios estímulos à boa cidadania provocados pela própria população no sentido de ajudar o pequeno comércio, a não estocar alimentos, a utilizar máscara e respeitar distanciamento social. Além disso, percebe-se um crescimento nas discussões e movimentações do mercado para que empresas estejam mais alinhadas ao critério de sustentabilidade ou ESG (Environmental, Social and Governance), buscando melhorar seu desempenho socioambiental, e não apenas econômico.
No que diz respeito à inovação, com essa quantidade de novas dores e problemas, cria-se uma demanda ainda maior pelo tema. Inovadoras serão aquelas pessoas e organizações que conseguirem, além de sobreviver à tempestade, tornar-se ainda mais fortes e preparadas para futuras intempéries.
Na Semente, desde nosso surgimento, trabalhamos para distribuir a capacidade de inovação ao longo de territórios, empreendedores e organizações estabelecidas sempre fomentando a consciência sobre impactos socioambientais nas ações das organizações. Além disso, apoiamos o Fundo de Impacto para Justiça Social como doadores recorrentes para ajudar pessoas em vulnerabilidade social na Grande Florianópolis. Nossa gestão interna é totalmente transparente, horizontal, meritocrática, ágil e voltada à diversidade e ao comportamento empreendedor – temos até alguns founders de startups no time. Ainda falta muito para conseguirmos ser a empresa que almejamos, estamos continuamente errando e aprendendo, mas o drive de autonomia, propósito e maestria no que fazemos possibilitou dobrar o tamanho da empresa em meio à pandemia e continuarmos motivados por termos certeza que estamos gerando impacto positivo através dos nossos projetos e ações.
Devemos cada vez mais refletir: o que minha organização está fazendo para contribuir para esse novo contexto de mundo?
César Costa é Head de Inovação Corporativa da Semente Negócios, empresa de educação empreendedora. É administrador pela UFRGS, Mestre em Inovação, Tecnologia e Sustentabilidade pelo PPGA/UFRGS, estudou management na Lund University, na Suécia e Strategic Management & International Business na University of La Verne, nos EUA.