Empreender é duro e posso afirmar pela minha experiência pessoal. As dificuldades são maiores quando não se sabe o que esperar. Quando se está criando uma empresa pioneira, as incertezas estão em toda parte, tanto do lado do negócio, quanto do lado emocional. E por que se fala tão pouco sobre isso?
Historicamente, este não era um caminho bem aceito como uma alternativa de carreira. Linda Rottenberg, fundadora e CEO da Endeavor, conta que, nos anos noventa, percebeu que sequer havia a palavra “empreendedor” no dicionário Aurélio (assim como em diversas outras línguas). Ela se propôs a mudar isso e conseguiu, como relata no livro “Viva the Entrepreneur” de Bian Requarth, fundador da Viva Real.
Mais ou menos na mesma época me lembro de ter ouvido que a palavra “empresário” normalmente aparecia nas manchetes de jornal acompanhada de “preso”. Esta frase retrata o preconceito que fazia com que, na maior parte das vezes, esse profissional não fosse devidamente reconhecido. “O empreendedor era um desconhecido, ele ficou para trás”, me disse Eduardo Vieira, autor do livro “Os Bastidores da Internet”, obra de maior referência do Brasil sobre o assunto, disponível em e-book.
Documentar era o principal objetivo do meu amigo João Paulo Alqueres, quando me procurou para lançarmos um podcast sobre empreendedorismo digital. Contar essas trajetórias é importante e necessário para não esquecermos importantes nomes que fizeram história no Brasil. Jack London, fundador do primeiro e-commerce brasileiro (Booknet, hoje Submarino), por exemplo, faleceu em 2016. Aleksandar Mandić, outro ícone da indústria, nos deixou em maio deste ano. Por isso, Eduardo também se juntou ao projeto que ganhou o nome de Podcast Fundação.
Mas os tempos são outros e a imagem do empreendedor também. Eles deixaram de ser desconhecidos e passaram a ser referências, cultuados até como celebridades. A disputa por posições nas listas de pessoas mais ricas do mundo certamente ajuda a colocar os holofotes em Jeff Bezos e Elon Musk. Mas bem antes disso, Musk já era tido como o Tony Stark (o Homem de Ferro) da vida real, o que até lhe rendeu uma participação em um dos filmes do personagem da Marvel.
Considero essa imagem de super-herói um desserviço ao empreendedorismo. Ela distancia os mortais que sabem que nunca serão como eles e cria expectativas irreais para quem tem o ego elevado o suficiente para sonhar mais alto. Ter ambição é bom, mas quando os sonhos nos fazem viajar alto demais podemos, como na lenda grega de Ícaro, chegar perto do sol, derreter nossas asas e levar um belo tombo. Precisamos falar mais sobre como é essa jornada, de verdade.
Inclusive, esse foi o tempero que propus adicionar ao podcast, com o intuito de debater o tema junto a fundadores de empresas digitais, mostrando toda a vulnerabilidade que existe nesse processo de empreender. Eles falarão sobre os momentos difíceis, mas também sobre os de êxtase. Sobre ataques de pânico, depressão, ansiedade e burnout, mas também sobre propósito, a disseminação da cultura e impacto. Sobre relacionamento com investidores, amigos, familiares, colaboradores e sócios. Não traremos apenas histórias com finais felizes. Precisamos falar do fracasso também, acolhê-lo e até reverenciá-lo, como já é feito em culturas como a do Vale do Silício.
Não devemos esquecer os pioneiros, tampouco exaltá-los como super heróis, mas retratá-los como os seres humanos que são. Pessoas como os nossos ouvintes. Relatar as jornadas de pessoas de verdade com suas emoções e fragilidades gera identificação, inspiração e aproximação. Levar essas histórias para perto de mais gente a ponto de tocá-las é a nossa contribuição para fomentar o comportamento empreendedor que pode ser tão transformador para o nosso país.
* Fernando Taliberti é fundador, mentor e investidor de startups, escritor e palestrante com foco em modelos de trabalho inteligentes, intraempreendedorismo, cultura de inovação e digital.