Durante a pandemia do Covid-19, as medidas de isolamento e distanciamento social, adotadas em níveis diferentes em todos os estados do país, têm um objetivo: desacelerar a disseminação do vírus. O Covid-19, assim como outras epidemias, tem uma curva epidêmica que representa o crescimento do número de casos. Quanto mais acentuada for essa curva, maior o número de pessoas contaminadas ao mesmo tempo, o que causa problemas como falta de leitos nos hospitais e de ventiladores nas UTIs. Por isso, especialistas de todo o mundo falam sobre a importância de “achatar” essa curva para evitar os colapsos do sistemas de saúdes.
Em um editorial publicado no periódico The New England Journal of Medicine, o médico e ex-reitor da Escola de Saúde Pública de Harvard, Harvey Fineberg, no entanto, defende que, na luta contra o coronavírus, a meta não deve ser “achatar a curva”, e sim “esmagar a curva”. “O objetivo não é achatar a curva, o objetivo é esmagar a curva. A China fez isso em Wuhan. Podemos fazer isso em todo o país em 10 semanas.”, afirma o médico no texto.
E para acabar com a epidemia do Covid-19 em 10 semanas, Fineberg, que faz parte do Comitê de Doenças Infecciosas Emergentes e Ameaças à Saúde do Século XXI dos EUA, propõe 6 medidas:
1. Estabelecer um comando unificado
A ideia é ter um comando central que possa mobilizar todos os bens civis e militares “para vencer a guerra” e autoridades estaduais para organizar os esforços. Como cada estado pode ter diferentes situações de contágio e de número de pacientes em condição grave, Fineberg defende que recursos sejam sempre alocados nas regiões com maior necessidade. “A diversidade de nossa nação e os vários estágios da epidemia em diferentes regiões nos permitem direcionar respostas a locais e horários específicos, implantar e reimplementar suprimentos nacionais limitados onde possam fazer o melhor possível, e aprender com a experiência à medida que avançamos”, explica o médico.
2. Disponibilizar milhões de testes de diagnóstico
“Nem todo mundo precisa ser testado, mas todos com sintomas precisam. O país precisa se preparar para realizar milhões de testes de diagnóstico nas próximas 2 semanas. Isso foi fundamental para o sucesso na Coréia do Sul. Toda decisão sobre o gerenciamento de casos depende de uma avaliação médica sólida e dos resultados dos testes de diagnóstico. Sem testes de diagnóstico, não podemos rastrear o escopo do surto”, afirma Fineberg.
Ele diz que o país deve usar maneiras criativas para mobilizar os laboratórios de pesquisa para ajudar na triagem populacional, e deve organizar locais de testes especiais para comunidades que estão longe de centros de atendimento, com opções como o teste de “drive-thru”.
3. Fornecer aos profissionais de saúde e hospitais os equipamentos de prevenção adequados
“Um amplo suprimento de EPI (equipamento de proteção individual) deve ser algo padrão para todos os profissionais de saúde dos EUA que estão na linha de frente cuidando de pacientes e testando infecções. Não enviaríamos soldados para a batalha sem coletes balísticos; os trabalhadores da saúde nas linhas de frente desta guerra não merecem menos. Os centros de distribuição regional devem implantar rapidamente ventiladores e outros equipamentos necessários, desde o estoque nacional até os hospitais com maior necessidade”, recomenda Fineberg. O médico também reconhece que é preciso criar padrões de atendimento “para tomar decisões éticas e inevitáveis” sobre o uso dos equipamentos e suprimentos disponíveis.
4. Diferenciar a população em cinco grupos e
Fineberg aconselha que a população seja distinguida em: 1) quem está infectado; 2) quem provavelmente está infectado (“pessoas com sinais e sintomas consistentes com a infecção que inicialmente apresentam um resultado negativo”); 3) quem teve contato com casos confirmados; 4) quem não foi infectado nem teve contato com casos confirmados; e 5) quem já se recuperou da infecção e está imune.
“Devemos agir com base em sintomas, exames, testes e exposições para identificar aqueles que pertencem a cada um dos quatro primeiros grupos. Hospitalize aqueles com doença grave ou de alto risco. Estabeleça enfermarias utilizando centros de convenções vazios, por exemplo, para cuidar de pessoas com doença leve ou moderada e com baixo risco; uma enfermaria de isolamento para todos os pacientes diminuirá a transmissão aos membros da família. Converta hotéis agora vazios em centros de quarentena para abrigar aqueles que foram expostos e separe-os da população em geral por 2 semanas”, orienta o médico.
O especialista ainda afirma que conseguir identificar o quinto grupo, aqueles que foram infectados e estão imunes, seria “um divisor de águas” para reiniciar partes da economia com mais rapidez e segurança.
5. Inspirar e mobilizar o público (e recomendar o uso de máscaras)
O médico defende que todos os cidadãos têm um papel a desempenhar e devem ser mobilizados. E especialmente as áreas de tecnologia da informação, mídias sociais, inteligência artificial e computação devem ser inspiradas para conceber novas soluções.
“Todos podem ajudar a reduzir o risco de exposição e apoiar seus amigos e vizinhos neste momento crítico. Depois que todos os profissionais de saúde tiverem as máscaras que precisam, o Serviço Postal dos EUA e empresas privadas voluntárias podem se unir para entregar máscaras cirúrgicas e desinfetante para as mãos em todos os lares americanos. Se todo mundo usar uma máscara cirúrgica fora de casa, aqueles que são pré-sintomáticos e infectados terão menor probabilidade de espalhar a infecção para outras pessoas. E se todo mundo estiver usando máscara, não haverá nenhum estigma”, explica Fineberg.
6. Tomar decisões com base na ciência
Fineberg explica que qualquer decisão sobre o fim do isolamento e que envolva a retomada de atividades de trabalho deve ser baseada na ciência. “As decisões para moldar a resposta da saúde pública e reiniciar a economia devem ser guiadas pela ciência. Se descobrirmos quantas pessoas foram infectadas e quantas estão imunes, podemos determinar que é seguro retornar ao trabalho e retomar atividades mais normais”.
“É seguro que outras pessoas voltem ao trabalho? Isso depende do nível de infecção ainda em andamento, da natureza de possíveis exposições no local de trabalho, da triagem confiável e da detecção rápida de novos casos. As escolas podem reabrir com segurança? Isso depende do que aprendermos sobre as crianças como transmissoras do vírus para seus professores, pais e avós. Quão perigosos são os espaços e superfícies contaminados? Isso depende da sobrevivência do vírus em diferentes condições ambientais e em vários materiais”, explica o médico.
Por fim, Harvey Fineberg afirma que se o país adotar uma abordagem orientada pela ciência, poderá retomar negócios de todos os tipos, incluindo companhias aéreas, hotéis, restaurantes e locais de entretenimento. “Em vez de tropeçar em uma série de inícios, paradas e meias medidas, tanto na frente da saúde quanto na econômica, devemos elaborar uma estratégia para derrotar o coronavírus e abrir caminho para o renascimento econômico”, conclui o médico.