O metaverso se tornou o tema do momento quando se fala em tecnologia digital. Ele seria um mundo paralelo que alia realidade virtual, realidade aumentada e inteligência artificial, para simular interações do mundo físico, e big techs como Facebook, Google, e Amazon, que pretendem avançar no uso do ambiente virtual para diferentes situações.
Experimentar e comprar roupas em lojas, assistir a shows e até mesmo ter aulas da faculdade com atividades práticas onde todos poderão agir de forma simultânea e com precisão. Esse cenário “mágico”, no entanto, tem riscos. Riscos estes que o mercado parece ainda não ter trazido à luz de uma análise mais apurada: o metaverso sob as lentes ESG – que, entre outras coisas, traz a Governança como a temática que lidera e conduz os princípios de transparência e regras de negócio.
Há alguns anos o Orkut se mostrou uma ferramenta bastante invasiva e com alto potencial de conflitos entre os usuários, quando permitia olhar e interagir nos perfis sem qualquer tipo de permissão e registro de pessoas que visualizavam o seu perfil na rede. Hoje, o Facebook faz sempre ajustes de rotação, mas frequentemente vemos notícias sobre as quais podemos afirmar que nem todos sabem ou entendem o que está por trás do conteúdo que recebem, ou seja, do algoritmo, além da questão da segurança de dados pessoais. O que ficou marcado e caracterizado como algo intrínseco às redes sociais? A influência nos movimentos sociais e no controle à desinformação (fake news), sobretudo nos períodos eleitorais, e também a proteção dos dados e da privacidade dos usuários.
Como é possível observar, hoje, o modelo que temos de rede social é uma “fase anterior” para a evolução do metaverso, que já não vinha cumprindo com os temas conectados ao ESG. Sem uma Governança consciente há um potencial concreto para o metaverso já nascer com os vícios do modelo da rede social. Isso significa que estamos tendo uma oportunidade única de criação de uma plataforma mais consciente – olhar para as redes sociais, entender a matriz de riscos e criar o metaverso com as lentes da boa governança que coloca o ser humano como centro.
A partir disso, não é difícil notar por que o metaverso pode ser um “perigo” para as práticas ESG. Podemos nomear algumas que chamam a atenção neste primeiro momento:
1) Fake news
Um ambiente que simule com maior precisão a realidade pode trazer riscos quando as pessoas estão mais suscetíveis à desinformação, sendo incapazes de discernir entre o que é real
e o que não é.
2) Insegurança digital
Temos vivenciado o aumento de crimes virtuais e ciberataques, com roubo de dados pessoais e de empresas. Essa convergência de diferentes plataformas que temos nos
dias atuais facilita a ação criminosa. Não é difícil conseguir informações do seu WhatsApp pessoal, não é mesmo?
3) Democracia
A popularização da internet fez com que grupos extremistas tivessem ascensão, nascidos de confusões e debates nas redes sociais e indispostos ao
diálogo.
4) Hegemonia midiática
O consumo de grandes corporações globais como Facebook e Google trará uma destinação de recursos ainda maior a estes grandes grupos, favorecendo a criação de
oligopólios que engolirão as tradicionais empresas de mídia. Isso com conteúdo produzido pelos próprios usuários dessas ferramentas.
5) Exclusão digital
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 40 milhões de brasileiros não têm acesso à internet, cerca de 20% da população do país. O
que significa que os mais pobres terão mais dificuldades em adquirir produtos, equipamentos e serviços, enquanto o acesso a determinadas tecnologias permitirá que quem possa pagar tenha mais acesso e exclusividade.
6) Profissões obsoletas
Profissões como vendedores, atendentes, comerciários, entre outros, devem ser substituídas. Se por um lado há a consequente mudança para as vendas virtuais, com
a extinção da loja física reduzindo custos para a empresa, por outro lado, o comércio poderá deixar de empregar 10,4 milhões de pessoas.
10) Saúde mental e física
Distúrbios alimentares, insônia, doenças nos olhos e nas articulações, ansiedade e depressão, são algumas das doenças relacionadas ao uso excessivo de
equipamentos e horas em frente à tela.
Nesse sentido, a evolução das tecnologias não se traduz em uma evolução mais humana, mas mostra que precisamos debater e aprofundar as questões de ESG e Governança dentro deste novo ambiente virtual para que não estejamos caminhando para uma sociedade mais doente e endividada, cega por compartilhar pontos de vista duvidosos, e nos distanciando da realidade. É preciso, portanto, uma regulamentação. As empresas precisam entender o potencial positivo da plataforma, mas jamais perder de vista os vícios nascidos de uma ferramenta anterior, que nasceu sem a regulamentação no passado e onde agora tentamos recolher os prejuízos presentes.
* Maria Silvia Monteiro é Head de ESG na Bravo GRC.