Um composto químico recentemente descoberto em medicamentos para o tratamento de doenças como diabetes e hipertensão vem preocupando os maiores representantes da indústria farmacêutica em todo o mundo. Trata-se da nitrosamina, uma substância com provável efeito cancerígeno que foi identificada em medicamentos produzidos em larga escala pela primeira vez em 2018.
Na época, cientistas da gigante farmacêutica Novartis isolaram um composto chamado NDMA – um tipo de nitrosamina já utilizado em combustível de foguetes e classificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um provável carcinogênico – de um de seus principais remédios para combater a hipertensão. A empresa precisou realizar uma série de recalls para remover o medicamento de circulação, sofrendo prejuízos bilionários.
A partir daí, a atenção em torno da substância aumentou, e o NDMA e outros tipos de nitrosaminas começaram a ser encontrados em diversos outros medicamentos. Um dos fatores de maior preocupação entre os cientistas é que os compostos cancerígenos vêm sendo identificados em fármacos de uso massivo, como remédios para hipertensão e diabetes.
A nitrosamina vem sendo encontrada mesmo em medicamentos que não exigem receita médica, como pílulas de combate à azia. Foi o caso do Zantac, fármaco que foi retirado às pressas das prateleiras – inclusive no Brasil – após a identificação do NDMA, em um recall que provocou prejuízos de mais de US$ 40 bilhões às farmacêuticas que detêm a patente do remédio.
Atualmente, a FDA (agência de saúde dos EUA, equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estabelece um limite máximo de 96 nanogramas de NDMA por medicamento. Nesta quantidade, a chance de uma pessoa que faz uso diário de remédios que contêm nitrosaminas desenvolver câncer é de uma em 100 mil. Em alguns casos, porém, as agências de saúde permitem que fármacos com nitrosaminas acima do valor considerado aceitável sejam comercializados, para evitar a escassez de oferta aos pacientes.
Origem intriga setor
Um dos maiores problemas que a indústria farmacêutica enfrenta para lidar com esse problema é o fato de que ainda não há certeza de como as nitrosaminas se desenvolvem nas medicações. De acordo com cientistas, um fator complicador é que elas aparecem de maneiras diferentes em cada droga.
Conforme artigo publicado pela Bloomberg, no medicamento de combate à hipertensão valsartan, por exemplo, a nitrosamina foi produzida devido a reações químicas ocorridas durante a fabricação do remédio.
Em outras classes de medicamentos, a nitrosamina pode ser produzida por fatores que vão da estocagem em altas temperaturas à utilização de determinados ingredientes ao longo do processo produtivo.
Os prejuízos financeiros provocados pelas nitrosaminas já começaram a ser sentidos. No Brasil, a Anvisa recolheu 200 lotes de medicamentos da classe das sartanas, utilizados para controlar a pressão arterial, devido à contaminação por NDMA. A agência ainda proibiu a fabricação, importação, distribuição e comercialização de insumos farmacêuticos com potencial contaminação.
Mas as piores perspectivas para a indústria farmacêutica ainda estão por vir. Além da Novartis, companhias como GSK, Sanofi e Merck podem enfrentar mais de 55 mil processos nos Estados Unidos movidos por clientes que desenvolveram câncer após ou durante a utilização de seus medicamentos. Escritórios de advocacia de todo o país já realizam uma busca por pacientes que podem ter sido prejudicados pela ingestão de nitrosamina.
Caso os processos de fato sejam abertos – a expectativa, segundo a Bloomberg, é que isso comece a ocorrer mais intensamente a partir de 2023 -, as perdas das principais companhias farmacêuticas do mundo podem alcançar cifras bilionárias.
E enquanto os cientistas não descobrem uma maneira de evitar a produção da nitrosamina durante a fabricação e a distribuição de seus medicamentos, milhões de pacientes correm o risco de contaminação ou de não ter acesso aos remédios de que necessitam.