A gestão dos clubes brasileiros nunca foi algo digno de aulas em universidades de Administração. Com pequenas exceções ao longo dos anos, a direção de instituições que geram receitas milionárias, mas chegam a ter dívidas bilionárias, foi marcada por casos de polícia, contabilidade criativa e muita, muita política.
Mas como em qualquer cenário de competição, no momento em que um “ator” inova e consegue uma vantagem competitiva, os outros precisam se adaptar ou irão morrer.
Flamengo e Palmeiras conseguiram com suas grandes torcidas e visão de negócios renegociar suas pendências, tomar decisões duras, superar as adversidades e montar times cada vez mais fortes.
Também ajudaram bastante as novas entradas de receitas, como os patrocínios de casas de apostas esportivas. O setor, que será regulamentado no Brasil em breve, está bastante aquecido e muitos clubes conseguiram parcerias bastante valiosas.
O São Paulo, por exemplo, teve o maior patrocínio de sua história com a Sportsbet.io estampando seu uniforme no espaço principal.
Mas quem foi além foram mesmo o Flamengo e o Palmeiras, conquistando gigantescas bilheterias – o time paulista com seu estádio construído em parceria com a WTorre, o carioca com o Maracanã reformado – e diversificando suas fontes de renda.
Esse domínio gerou um sinal de alerta generalizado. E as reações estão chegando agora.
Clubes tradicionais abrem mão da gestão do futebol
Um problema histórico dos clubes de futebol era o conflito de interesses. Sócios e conselheiros vitalícios tinham poder sobre times de futebol e a política interna desses clubes trazia candidatos e presidentes pouco preparados para a gestão de algo que movimenta somas vultosas.
O Cruzeiro é o maior exemplo disso. Seguidas gestões temerárias causaram problemas enormes para o clube, que seguia vencendo em campo, mas contratando jogadores e não pagando suas equipes de origem, e finalmente atrasando salários e bonificações dos seus atletas. A bomba estourou em 2019 com um traumático rebaixamento, e o time não conseguiu subir em 2020 nem 2021, apesar de continuar com uma folha salarial inchada para a Série B.
Sem respostas para uma crise permanente, a solução foi separar a gestão do futebol do clube e criar uma Sociedade Anônima de Futebol, permitida em lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em agosto de 2021. Logo um velho conhecido fez o aporte: Ronaldo Fenômeno comprou o direito de gerir o futebol por R$ 400 milhões.
A empolgação pela compra e a figura de Ronaldo, revelado pelo clube mineiro, facilitaram essa transição, que não será fácil. O ex-atacante não jogará para a torcida, e imediatamente abriu mão de reforços que estavam contratados para 2022 e do treinador Vanderlei Luxemburgo. O objetivo primeiro é viabilizar a operação do clube, que segue gastando muito mesmo estando sem fundos.
O Botafogo tomou o mesmo caminho e encaminha sua venda para o empresário americano John Textor, também proprietário do clube inglês Crystal Palace. Com o acesso para a Série A em 2021, as receitas do tradicional time carioca são mais positivas no curto prazo, mas o trabalho para encurtar uma distância hoje quilométrica para o Flamengo será de longo prazo.
Outros exemplos no Brasil
A solução da SAF não é a resposta para tudo e não será feita por todos os clubes. O Atlético-MG, por exemplo, tomou um caminho diferente. Também altamente endividado, o clube passava por um período apagado esportivamente antes da chegada de quatro mecenas, conhecidos como 4 R’s (Rafael e Rubens Menin, Renato Salvador e Ricardo Guimarães).
O aporte financeiro deles e a construção da arena do clube, que levará o nome da construtora MRV (de Rafael e Rubens Menin) criou uma nova era de sucesso esportivo que culminou em 2021 com o título do Campeonato Brasileiro após 50 anos e da Copa do Brasil.
Ainda há verdadeiros clubes-empresa como o Red Bull Bragantino e Cuiabá FC, que estão na Série A, e especialmente o clube paulista já alcança resultados expressivos.
Por enquanto a solução de outros clubes tradicionais é abandonar a visão arcaica de “fazer futebol” e cada vez mais presidentes, dirigentes e gestores no esporte pensam no balanço, se orgulham de superávits e vendem essa ideia para a torcida. Com a profissionalização e modernização de alguns clubes, quem não quiser fazer uma tabela com a saúde financeira e gestão responsável ficará sofrendo gols, um atrás do outro.