O primeiro levantamento sobre a população LGBTI+ brasileira, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é revelador da insegurança vivida por essa comunidade.
Feita com dados coletados em 2019 no contexto da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), a sondagem mostra que apenas 1,8% da população brasileira se declara abertamente gay, lésbica ou bissexual.
O IBGE reconhece que o percentual deve ser amplamente subestimado, já que as respostas foram coletadas num modelo de pesquisa em que não foi possível garantir a privacidade dos respondentes – muitos deles a viver no interior do país, inclusive em regiões e comunidades de forte influência conservadora.
Tanto que o Instituto já dá por certo que a parcela da população abertamente homo ou bissexual identificada na pesquisa compreende, em maior prevalência, pessoas financeiramente independentes e em posição de discutir sua sexualidade sem medo de represálias, o que, evidentemente, se trata de uma fração mínima dos brasileiros. Sem falar que, do total de respondentes, 3,6 milhões de participantes não responderam às perguntas sobre sexualidade e outro 1,8 milhão não soube dizer qual é a própria orientação sexual, indicando que o tema ainda é tabu para muitos.
Embora necessite de ajustes para fazer uma aferição mais precisa da população LGBTI+ brasileira, de suas questões e contemplar outras identidades de gênero dentro da sigla, a pesquisa, ao divulgar pela primeira vez esse tipo de dado, representa um avanço importante na luta da comunidade pelo direito de ser reconhecida, respeitada e ter suas necessidades contempladas por políticas públicas. Também é fundamental que os dados do levantamento não sejam utilizados para minorizar ainda mais a população LGBTI+, no sentido de relativizar seu tamanho, importância e necessidades.
Além disso, vale ressaltar que o ambiente de insegurança evidenciado na pesquisa do IBGE não é exclusivo dos rincões conservadores do país, como se pode pensar. A mesma insegurança ainda se vê nas empresas brasileiras localizadas em centros urbanos plurais, não necessariamente conservadores, com maior escolarização e possibilidades econômicas.
Pesquisa feita pela Santo Caos em 14 estados mostra que 38% das empresas sondadas possuem alguma restrição velada ou explícita à contratação de homossexuais. O mesmo estudo diz que 40% dos profissionais LGBTI+ já sofreram discriminação por sua orientação sexual no trabalho e que ainda é prevalente entre eles o sentimento de que é melhor não falar sobre a própria sexualidade no ambiente profissional.
A razão desse cenário ainda é a baixa prevalência de empresas que se empenham no cultivo de um ambiente de trabalho seguro e acolhedor a todos, que valorizem as diferenças, com ações de promoção de diversidade, equidade e inclusão a contemplar, também, a comunidade LGBTI+, ações que, segundo o Instituto Ethos, existem em apenas 19% das 500 maiores empresas brasileiras pesquisadas recentemente pela organização.
Mesmo nas empresas com ações afirmativas para pessoas LGBTI+, ainda se veem erros básicos, como tratar os temas dessa interseccionalidade somente no Mês do Orgulho LGBTI+, como se não fossem relevantes o ano todo. Também não é incomum ver empresas mais empenhadas na criação de produtos para o consumidor LGBTI+ do que na estruturação de políticas de tolerância zero contra LGBTIfobia em seus próprios ambientes.
Outro problema recorrente é o tratamento de segundo plano dado à inclusão da população trans, entre as mais vulneráveis e marginalizadas do país, tema ainda visto como tabu na maioria das empresas, inclusive entre gestores de diversidade corporativa.
Transformar essa realidade nas empresas depende de um compromisso muito claro da alta liderança com a promoção da inclusão e da diversidade na organização e com a criação de um ambiente de trabalho seguro a todos, inclusive as pessoas LGBTI+.
Além de valorizar a diversidade e a diferença, o ambiente de trabalho tem de ter canais de denúncia efetivos e ações de inclusão de pessoas de todos os grupos minorizados, em todos os níveis organizacionais e em proporções próximas à demografia social.
Aliás, no caso da comunidade LGBTI+, é imprescindível que os próximos levantamentos do IBGE delineiem seu tamanho no Brasil, não só para a elaboração de políticas públicas, mas para que as organizações definam, por exemplo, metas de inclusão de pessoas LGBTI+.
Sem falar que também vão poder contribuir com respostas mais efetivas às questões centrais dessa comunidade.
* Letícia Rodrigues é consultora de diversidade, equidade e inclusão, além de sócia-fundadora da Tree Diversidade.