De acordo com uma pesquisa coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Covid-19 pode estar ativando um vírus ancestral, que afeta os humanos há milhares de anos, e, com isso, provocando aumento de óbitos em casos graves da doença.
Realizado entre março e dezembro de 2020, o estudo, pré-publicado no último dia 11, na plataforma Research Square, acompanhou 25 pacientes críticos com média de 57 anos de idade e submetidos a ventilação mecânica em hospitais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os resultados indicam que a presença do retrovírus endógeno humano HERV-K, da família viral K, está associada ao agravamento da Covid-19 e à mortalidade precoce de alguns enfermos.
“A progressão de casos brandos para graves vinha sendo associada à hipoxia [falta de oxigênio nos tecidos], inflamação descontrolada e coagulopatia [que envolve hemorragia e distúrbios de coagulação]. No entanto, os mecanismos envolvidos com a mortalidade em casos muito graves ainda não são bem conhecidos. Para isso, o estudo buscou compreender o viroma do aspirado traqueal de indivíduos em ventilação mecânica – isto é, os vírus presentes na amostra”, explicou a Fiocruz, que identificou, nas análises de secreção da traqueia desses pacientes, altos níveis do HERV-K, na comparação com exames de infectados com quadros leves e não infectados.
Segundo a pesquisa, o HERV-K é um vírus primitivo, que infectou o genoma humano quando homens e chimpanzés estavam se separando na escala evolutiva. Vários retrovírus endógenos como ele, mesmo presentes nos nossos cromossomos, permanecem silenciosos durante a maior parte da vida, mas o novo coronavírus o tem reativado. Dados do estudo revelam que a taxa de morte entre pacientes graves da Covid-19 com altos níveis de HERV-K chega a 50%.
Experimentos também atestaram um crescimento nos níveis do HERV-K em células humanas saudáveis que foram infectadas em laboratório com o Sars-CoV-2. “A gente estabeleceu, de fato, que o Sars-CoV-2 é o gatilho para o aumento desses retrovírus endógenos, para despertar os genes silenciosos”, afirmou o coordenador da pesquisa, Thiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS) da Fiocruz.
“Esses níveis de HERV-K se correlacionaram com o que se chamou de mortalidade precoce, como menos de 28 dias de internação”, acrescentou Moreno. Nos pacientes onde se observou a alta expansão do vírus ancestral, ainda foram constatados mais processos inflamatórios e maiores impactos na coagulação e nas células do sistema imune.
A presença do HERV-K poderia, dessa forma, ser identificada como marcador associado a gravidade em casos da Covid-19, e sua detecção precoce poderia reforçar a adoção de estratégias como o uso de anticoagulantes e anti-inflamatórios.
Ainda não se sabe ao certo, contudo, por que esse fenômeno ocorre com alguns pacientes e não outros. “Talvez o sinal para o silenciamento de determinados retrovírus endógenos seja mais forte em algumas pessoas do que em outras”, avaliou Moreno.
(com informações de Galileu e CNN Brasil)