O alvo desse artigo é apresentar os efeitos de ações pautadas pela falta de ética na construção de sistemas de gestão da qualidade. Em outras palavras, os efeitos decorrentes da corrupção moral das personas que tem relação com o sistema de gestão da qualidade.
A proposta de um sistema de gestão da qualidade (SGQ) é, em síntese, atender às necessidades e expectativas das partes que interagem com uma organização. Em outras palavras, um sistema de gestão da qualidade objetiva dar resultados satisfatórios para os clientes (internos e externos), acionistas, governo e para a sociedade, a partir da aplicação de um conjunto de requisitos, aplicáveis em todos os níveis dessa organização. Quando a implementação dessa ferramenta de gestão é consistente, a empresa alcança o que chamo sistema de gestão da qualidade sustentável.
Com a implementação de ações decorrentes da Lava Jato, nosso país aderiu ao combate à corrupção. Embora seja muito cedo falar assertivamente sobre as conquistas desse processo no nível político e social, é possível abordarmos essa questão no nível das organizações, considerando como objeto de estudo o sistema de gestão da qualidade (popularmente conhecido como ISO 9001).
A ISO 9001 está presente no Brasil há mais de 30 anos (conheça a história). Nesse período de tempo, evoluiu consideravelmente, tendo como enfoque a geração de resultados a partir da redução de desperdícios e otimização de processos. Nesse cenário, atuaram (e ainda atuam) diferentes personas, cada qual com um conjunto de responsabilidades basilares que tem por fim a implementação eficaz dessa poderosa ferramenta gerencial.
De maneira geral:
Acionista: acompanha a implementação do SGQ em sua empresa, contribuindo com a construção de uma cultura organizacional voltada à excelência e melhoria contínua;
Colaborador: aplica os princípios da gestão da qualidade em sua rotina diária, contribuindo com sugestões para melhoria contínua;
Auditor interno: avalia a aderência da empresa aos requisitos estabelecidos pela norma ISO 9001 e informa a direção da empresa sobre os resultados da auditoria;
Auditor externo: avalia a aderência das empresas aos requisitos estabelecidos pela norma ISO 9001, recomendando ou não seu reconhecimento (certificação) junto ao Organismo de Certificação da qual faz parte.
Organismo de Certificação: avalia os resultados obtidos por seu corpo técnico (auditores), endossando ou não a recomendação da certificação junto à ABNT.
INMETRO: avalia tecnicamente os Organismos de Certificação, validando ou não a continuidade de sua operação com base em sua atuação junto às empresas e sua aderência à norma ISO 19011.
ABNT: mantém ou exclui de seu quadro, Organismos de Certificação (com base nos resultados e avaliações realizados pelo INMETRO), prezando pela credibilidade da Associação e da própria ISO junto às empresas e mercado.
ISO (entidade sediada na Suíça): dissemina a cultura da gestão, prezando pela elaboração e correta implementação e manutenção de normas técnicas (ex. ISO 9001) através de suas associações filiadas (a ABNT é uma das associações fundadoras da ISO).
Consultor: contribui tecnicamente com a construção de sistemas de gestão da qualidade aderentes aos requisitos da norma ISO 9001 e de seus princípios.
Fornecedor / empresa satélite: fornece ferramentas de suporte ao SGQ (ex. softwares para a gestão da qualidade), através de suporte técnico e conceitual aos gestores das organizações.
Em que pese haverem outras responsabilidades de igual importância, qualquer postura incorreta por parte dessas personas, acaba por corromper o todo. Em 20 anos como consultor e auditor (interno e externo), acompanho de perto comportamentos que trazem prejuízo à acionistas, empresas, consultores, auditores e organismos de certificação. Dentre os mais comuns destaco:
- Documentos e registros sendo preparados para “auditor ver”;
- Diretores sugerindo que as não conformidades sejam ocultadas do auditor externo;
- Organismos de certificação validando escopo do SGQ de empresas em desalinhamento com o que a norma preconiza;
- “Coleguismo” entre auditados e auditores internos fazendo com que estes não realizem seu trabalho de maneira imparcial;
- “Amizade” entre a empresa auditada e o auditor externo, acarretando em paternalismo e conveniências que corrompem o processo de auditoria;
- Banalização na emissão de certificações ISO 9001 por parte da ABNT / ISO, minimizando a sensação de que o sistema de gestão da qualidade é algo que diferencia a empresa;
- Empresas satélites / fornecedores oferecendo a implementação de sistemas de gestão em prazos exíguos (há empresas que “garantem a certificação” em prazos de até 45 dias);
- Softwares de suporte ao SGQ sem aderência conceitual à norma ISO 9001;
- Outros.
Esse cenário, nada alentador, serve de pano para debates acalorados que pouco evoluem em termos de ações. A maioria dos profissionais da área, “quase-doutores” no assunto, apresentam posicionamentos particulares geralmente imutáveis, contribuindo para o acaloramento das discussões e para digressões sem-fim. Mas o que todos têm em comum? A certeza de que a credibilidade da ISO 9001 está em xeque e que, se nada for feito, a corrupção moral desse sistema de gestão será a causa-raiz de seu fim.
Quiçá possamos agir de maneira imparcial nas pequenas tarefas do dia-a-dia, alcançando resultados reais. Quiçá possamos nos tornar profissionais menos egoístas, a ponto de contribuir genuinamente com a melhoria do todo. Quiçá possamos reverter esse processo, implementando ações efetivas através de eventos técnicos como aqueles apoiados pela Qualyteam (veja a lista de eventos). Se assim o fizermos, daremos um passo importante em direção da excelência, alvo daqueles que acreditam na construção do conhecimento e na melhoria contínua sob todos os aspectos e formas.
Que assim seja!
Ivan Gonçalves é Auditor, consultor, palestrante e diretor da Qualyteam.