Quando criei aprimeira plataforma de contabilidade do país 100% em nuvem, em 2009, confesso que não imaginava que após uma década de trabalho o desafio ainda seria provar o valor da contabilidade online.
As pessoas passaram a se conhecer, pedir comida, se entreter, se locomover, investir dinheiro, comprar de tudo, declarar o imposto de renda, enfim, resolver a vida inteira por aplicativo. Com a contabilidade seria diferente?
As vantagens da contabilidade online sempre foram claras: praticidade, otimização de tempo e de custos, facilidade de acesso e centralização de dados, entre outras. A adesão sempre pareceu garantida. Na prática, ainda não é bem assim.
Desde o surgimento dos primeiros escritórios de contabilidade online no Brasil, a partir de 2010, muito se aprendeu sobre a atividade. O saldo é positivo, com o estabelecimento de players e um histórico, de acertos e de erros, que ajuda a desbravar caminhos futuros. É inegável que a contabilidade online promoveu definitivas mudanças na maneira como as empresas lidam com suas rotinas fiscal e financeira.
Porém, ela ainda não conseguiu verdadeiramente reter uma parcela significativa de parte valiosa de seu público-alvo: PJs sem funcionários e os prestadores de serviços de áreas como a saúde, a tecnologia da informação, o marketing & publicidade, a comunicação, as artes e outras –atualmente esses profissionais somam mais de 12 milhões no Brasil, e o montante vem crescendo.
É preciso entender que, nos últimos dez anos, a contabilidade online atraiu e concentrou investimentos quanto mais prometeu multiplicar a sua capacidade de automatizar todos os processos contábeis possíveis.
Em partes, foi a via que a contabilidade online encontrou para poder mostrar seu valor ao mundo corporativo. Neste sentido, acabou privilegiando soluções e formatos que podem ter agradado parte da demanda, mas para PJs sem funcionários talvez tenham deixado a desejar ou, pior, causado más impressões e experiências frustrantes.
Na prática, as plataformas, notadamente desenvolvidas para grandes ou micro-empresas (como bares e restaurantes), acabaram negligenciando as necessidades específicas desse tipo de PJ / prestador de serviço.
Para este público, a automatização cega dos processos gerou muitos receios quanto à contabilidade online. A praticidade prometida virou tarefa, pois os clientes passaram a responder pelo trabalho de digitação dos dados contábeis. A consultoria tributária foi precarizada ou exclusivamente robotizada, quando não eliminada do escopo dos serviços ofertados –algo muito grave em se tratando de uma atividade cuja natureza é prestar consultoria e assessoria ao cliente.
Alguns escritórios, inclusive, enxergaram nessa possibilidade de automatizar até a consultoria humana e especializada –extinguir o atendimento cortando o contador profissional– uma oportunidade de oferecer seus serviços a preços inferiores (valores irrisórios) aos do segmento.
Tudo isso ajudou a criar percepções negativas em relação à contabilidade online. É comum ouvir que, em vez da consultoria inerente à atividade do contador, ela oferece apenas ferramentas tecnológicas que prometem a possibilidade de cada um cuidar sozinho de suas tarefas contábeis. A verdade é que essa receita tende a ser um desserviço, penoso, arriscado e que pode acarretar prejuízos.
A boa notícia é que a década de 2010, que começou com investimentos destinados a quem prometia revolucionar a contabilidade a partir da automatização dos processos com o desenvolvimento de plataformas voltadas à empresas, termina com a atenção e os recursos voltados aos que forem capazes de desenvolver interfaces de contabilidade online que possibilitem a humanização do atendimento.
Quando criei a primeira plataforma de contabilidade online do país, confesso que esperava que dez anos depois as pessoas não utilizariam outra forma de serviço que não essa. O caminho, no entanto, se mostrou mais longo, mas não menos instigante.
Atualmente, é possível encontrar escritórios de contabilidade online que conseguem entregar pacotes mais condizentes com as necessidades específicas de PJs sem funcionários e prestadores de serviços de diversas áreas. Em resumo: bom preço, consultoria especializada realizada por profissionais e responsabilidade pelos trâmites e digitação de dados.
É compreensível, porém, que diante de tantos avanços tecnológicos e os inúmeros segmentos por eles transformados a sociedade careça de tempo para amadurecer novas práticas.
Um exemplo, que para mim soa animador, um bom sinal, é que mesmo as mais estabelecidas empresas de atuação online ainda buscam os mais básicos objetivos. É o caso da maior plataforma de venda online da América Latina, o Mercado Livre. No ano passado, em busca da confiança de novos consumidores, a empresa lançou uma campanha publicitária em que tratava justamente do receio que algumas pessoas ainda têm de realizar compras online.
Outra área que sempre gosto de citar é a medicina, em que a realização de exames à distância já é uma realidade. É um grande avanço, que possibilita aumentar exponencialmente a capacidade de abrangência da prestação dos serviços na área da saúde. Não significa, porém, que um dia a presença de um médico será descartada, muito menos que a consulta tradicional esteja com os dias contados –se bem que hoje em dia é possível conseguir o Whatsapp do médico, por quê não?
No caso da contabilidade, um assunto que para boa parte da sociedade ainda é bastante caro, muitas vezes de difícil compreensão, a adesão de clientes a escritórios de contabilidade online vai depender de como estes conseguirão garantir, a partir das vantagens que disponibilizam e prometem, o que os escritórios físicos / convencionais sempre garantiram: a tranquilidade de se estar com a gestão contábil em dia, de forma segura, sem riscos de prejuízos e com suporte feito por profissionais.
A partir daí, o valor da contabilidade online poderá ser descoberto, e suas vantagens serão mais do que necessárias.
Erico Azevedo é CEO e co-fundador da Fica Tranquilo – Contabilidade Online