Indicado como um dos requisitos primordiais dentro dos cinco pilares estabelecidos pela Controladoria Geral da União (CGU) dos chamados “Programas de Integridade”, o comprometimento da alta direção, segundo a “Lei Anticorrupção” do Brasil (12.846/2013), pode ser “evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa” de integridade.
Em termos de conselhos de administração ou consultivos, a responsabilidade amplia-se ainda mais, pois além de serem responsáveis por aprovar políticas de compliance, assegurar recursos e outras responsabilidades relacionadas, o conselho assume a posição de última linha de defesa do programa de integridade e de sua efetividade, sendo também responsável pela fiscalização e supervisão da alta gestão da organização, incluindo a supervisão do engajamento e do apoio efetivo dos executivos ao programa ou sistema de integridade.
No livro Where Were the Directors? Guidelines for Improved Corporate Governance in Canada, uma das recomendações torna esta posição de última linha de defesa dos conselhos ainda mais explícita, diante da importância que a gestão de risco representa na sua atuação, entre os quais os eventos como corrupção têm forte relevância.
Diante deste cenário, torna-se essencial a discussão em torno da estrutura de formação ou “tipos” de conselho, bem como a formação de seus comitês. Entre os principais tipos de conselhos de administração, o chamado “Operating-Type Board” traz o conselho para junto da operação da organização. Com reuniões frequentes e longas, o conselho confunde-se com a gestão da empresa, assume a função de tomador de decisões operacionais, podendo até mesmo tornar explícita uma percepção de possuir força e competência superior a do próprio CEO.
Trazendo o conselho para muito próximo da operação e dos chamados “Agents”, a sua atenção maior passa a estar na “direção” da organização e menos no “controle”, seja pela falta de tempo ou especialmente diante do comprometimento da sua imparcialidade, por não ser possível e adequado controlar e fiscalizar ações estabelecidas pelo próprio colegiado. Compromete, portanto, sua função estratégica, de gestor dos riscos corporativos e de última linha de defesa dos sistemas de compliance.
Muito comuns em empresas públicas, o “Intervening-Type Board” é um modelo em que os conselheiros são majoritariamente indicados pelos “Shareholders”. Em teoria, os aproxima muito mais dos “Principals” do que dos “Agents” e muito provavelmente os torna também afastados da sua função maior: defender os melhores interesses da organização. Diante do foco maior nos interesses dos “Shareholders” – alto retorno e baixos recursos, a função estratégica e de gestão de riscos fica amplamente comprometida, assim como sua capacidade de garantir os recursos ao programa de integridade e o controle necessário sobre sua efetividade. Exemplos importantes dos problemas que surgem deste modelo foram observados nos últimos anos no Brasil, através de decisões controversas tomadas por conselhos de empresas controladas pelo governo.
Os comumente chamados “rubber-stamp” boards dividem-se em dois tipos: “Collaborative-type Board” e o “Advisory-type Board”. Muito comum em médias e pequenas empresas familiares, o “Collaborative-type Board” funciona como uma espécie de colaborador da alta gestão da companhia. Acumulando experiências anteriores em gestão corporativa, os membros deste tipo de conselho normalmente são escolhidos pelo presidente ou fundador da companhia, levando- se em conta critérios como: relação pessoal pré-existente com o fundador ou com sua família, e/ou alinhamento e sinergia de ideias e posições na gestão organizacional.
Em linha semelhante, o “Advisory-type Board” é normalmente caracterizado por um grupo pequeno de conselheiros que tem a função principal de endossar as decisões do CEO e da alta administração. Com baixa frequência de reuniões e de curta duração, toda a pauta e material disponibilizados é totalmente controlado e direcionado pela alta administração da organização. O CEO exerce forte influência sobre as decisões do grupo, até pela ausência de experiência e conhecimento de parte do conselho para determinados assuntos, e que raramente tomará decisões que venham a contrariar opiniões dos “Agents”.
Os chamados “rubber-stamp boards”, como o próprio termo indica, têm praticamente nenhuma independência e autonomia de decisão. Ainda que se caracterizem pela agilidade e forte alinhamento com os gestores da organização em suas decisões, são submetidos à alta administração, assim como limitados pela pauta e pelas informações definidas ou disponibilizadas de forma seletiva pelos gestores. São incapazes de identificar e gerir riscos, ou de supervisionar a conduta da alta administração de forma adequada. Por isso, não agem diante de eventuais condutas que estejam em desacordo, ou que indiquem a necessidade de revisão das políticas e procedimentos estabelecidos pelo programa de integridade da companhia.
Enquadra-se como “Governance-type board” o modelo que isola o conselho da operação da companhia, bem como dos interesses exclusivos dos “Shareholders”. Caracterizados por membros com experiência e conhecimento no negócio, este modelo torna-se capaz de ter êxito na qualificação e seleção das informações da organização relevantes para sua análise e tomada de decisão, além de dispor de comitês independentes, estratégicos e diretivos, com capacidade de supervisionar, checar e filtrar os dados selecionados.
Exercem normalmente a função de motivar a reflexão da alta administração sobre a gestão da companhia, sem necessariamente questioná-la e desafiá-la diretamente. Estatutariamente, é estabelecida uma linha nítida de divisão entre o conselho e a alta administração, além de existirem regras para preservar a independência e imparcialidade do grupo, por meio da participação obrigatória de conselheiros externos e mecanismos de mitigação de conflitos de interesses.
Diante da estrutura, composição e regras de funcionamento, o “Governance-type board” é o tipo que oferece melhores condições para garantir a efetividade de programas de integridade nas organizações. Por outro lado, existe o desafio inicial de buscar conselheiros que atendam à demanda deste modelo, em termos de conhecimento, experiência, independência e, em sua maioria, livres de conflitos de interesse diretos ou indiretos.
Perdura o desafio de preservar e isolar este grupo e sua atuação da pressão externa e interna por interesses que coloquem em risco o planejamento estratégico, o sucesso da gestão de riscos e a manutenção de um sistema de compliance anticorrupção proativo.
*Tiago Martins da Fonseca é sócio da CelintBRA, uma empresa que oferece cursos de capacitação profissional para atuação em conselhos administrativos e consultivos.