Durante a pandemia do coronavírus, a modalidade de teletrabalho ganhou força e foi bastante utilizada por empresas em todo o país, devido às condições inéditas de confinamento imediato. Tal modelo de trabalho, embora já conhecido e aplicado em algumas situações, não tinha regulamentação específica, o que causou diversas dúvidas e insegurança jurídica desde a Reforma Trabalhista e, especialmente, durante todo o período pandêmico.
Agora, em agosto de 2022, foi aprovada a Medida Provisória (MP) 1.108/2022, que, além de trazer definições acerca da modalidade, dispõe e altera essencialmente regras para a adoção do teletrabalho e o pagamento de auxílio-alimentação.
Primeiramente, podemos realçar o fato de que foram estabelecidos dois tipos de regime de jornada para o teletrabalho: um com jornada de trabalho, que é caracterizado por controle de ponto e pagamento das horas extras; e outro sem definição de jornada de trabalho, de modo que a remuneração é contabilizada por produção ou tarefa. Nesta segunda hipótese, o empregador fica dispensado de controlar o número de horas, o que, inclusive, afasta a regra de apresentação de cartões de ponto para empresas com mais de vinte empregados.
Destaque-se, também, o esclarecimento de que a presença do trabalhador no ambiente de trabalho para realização de tarefas pontuais, ainda que de forma habitual, não descaracteriza o trabalho remoto. E mais: tal regime de trabalho agora poderá ser aplicado também a estagiários e aprendizes.
Para empregados que tenham sido admitidos no Brasil, mas que pratiquem teletrabalho no exterior, serão aplicadas as regras brasileiras, exceto se combinado de forma distinta. E atenção: dentro ou fora do país, o regime não se confunde, e nem se equipara, ao cargo de operador de telemarketing ou de teleatendimento.
Além disso, um dos principais destaques da MP, e que terá forte repercussão na Justiça do Trabalho, é o fato de que o uso de ferramentas digitais pelo empregado, após seu expediente, não caracteriza tempo à disposição, sobreaviso ou prontidão, a não ser que haja acordo em sentido contrário. Tal situação certamente direcionará decisões judiciais para afastar condenações de horas extras e discussões de jornada excessiva.
Ademais, a empresa não precisará se responsabilizar pelos custos do retorno ao trabalho presencial de empregado que esteja morando fora da sede, salvo, é claro, expresso acordo a respeito.
Outro ponto que chama bastante atenção na regulamentação é o fato de que as vagas para o trabalho remoto devem ser preenchidas preferencialmente por pessoas com deficiência ou empregados que tenham filho ou criança sob guarda judicial de até quatro anos de idade. É importante frisar que tal medida não traz obrigação ao empregador, mas pode ser traduzida como prioridade.
Já acerca do auxílio-alimentação, foi estabelecido que tal benefício apenas deve ser gasto com refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais, como supermercados. São ainda vedados os descontos na contratação dos fornecedores. Na hipótese de utilização equivocada do auxílio-alimentação, é cabível aplicação de multa aos empregadores ou às empresas emissoras dos tíquetes/cartões.
Assim, podemos concluir que a nova MP, quando sancionada, irá contribuir para o esclarecimento de importantes questões e trará mais segurança jurídica para ambas as partes da relação de emprego, que poderão firmar contratos e acordos individuais com mais autonomia e flexibilidade.
Consequentemente, tais garantias promovem maior satisfação nas negociações e ao longo da vigência do contrato de trabalho, diminuindo, assim, os riscos de futuras reclamações trabalhistas e indesejados passivos acerca da modalidade adotada.
* Melina de Pieri Simão é advogada especialista da área Trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogados.
** Maria Gabriela de Carvalho Falsete é estagiária da área Trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogados.