- Setor conta com cadeia produtiva diversificada e oportunidades prontas para serem exploradas;
- Atividades coletivas e práticas alternativas, como ioga e corrida, estimulam pequenos empreendimentos e atraem a atenção de grandes redes do segmento fitness;
- Tecnologia e marketing digital ganham espaço no apoio a treinadores, que buscam complementar suas rendas e construir carreiras como profissionais autônomos.
Quem vê a fotografia da advogada paulistana Márcia Lopes exibindo, com orgulho, sua medalha de participação na Maratona de Paris não acredita que apenas quatro anos separam uma vida de sedentarismo e uma vida de atleta. Sua capacidade de correr 42 quilômetros foi construída passo a passo — literal e metaforicamente.
“Antes da corrida eu me sentia ‘velha’, achava que já havia feito tudo o que poderia fazer e não tinha ânimo para fazer novos planos. Era só viver um dia depois do outro. Achava que para praticar um esporte precisaria ter mais tempo, dinheiro, ou seja, como muitos, esperava uma ‘situação ideal’ para começar”, lembra.
Com o sedentarismo, o declínio do corpo passou a se tornar cada vez mais sensível, apontando para um futuro em que as idas ao hospital e périplos em laboratórios de exames se tornariam frequentes. “Ver a minha saúde em declínio e como poderiam ser penosos os anos que viriam foi o que me fez virar a chave e passar a amar a mim e a vida mais do que tudo”, conta a advogada.
Nesse arco de redenção em que Márcia transformou seu corpo em uma máquina de correr durante 4 horas seguidas, ela movimentou um amplo mercado de produtos e serviços. Um par de tênis apropriado foi só a primeira aquisição.
Após seis meses frequentando grupos de corrida e conversando com praticantes da modalidade, ela percebeu que um tema era recorrente: lesões. Já não estava preocupada apenas em melhorar as taxas de açúcar e gordura, mas em praticar atividades físicas de forma segura. Procurou um fisioterapeuta, que ainda hoje a acompanha de forma preventiva. “Ele diz que sou sua pior paciente: não dou trabalho e não tenho nenhuma lesão”, brinca.
Ela também contratou os serviços de uma assessoria de corrida. “Foi um divisor na minha vida. Meu treinador, Marcelo Avelar, ensinou que eu poderia melhorar na corrida, mas de uma forma compatível com minha idade e história”.
Além da fisioterapia, assessoria de corrida a nutricionista, ela faz Pilates para fortalecer o corpo e evitar encurtamentos musculares, é acompanhada por uma nutricionista que indica suplementos alimentares para otimizar seu desempenho e investe uma nota com inscrições em provas de corrida, a exemplo da Meia Maratona de João Pessoa.
Esse é só um vislumbre da cadeia produtiva que movimenta o mercado fitness, que vem se desenvolvendo de forma pujante e contínua há pelo menos uma década. Esse potencial é descentralizado e favorece tanto iniciativas empreendedoras locais quanto a atuação de grandes marcas e franquias.
A Paraíba, especialmente a capital, é vista como destino promissor para novos negócios no segmento. Assessorias esportivas, personal training, academias de crossfit, consultórios de nutrição e fisioterapia, serviços de marketing esportivo e eventos movimentam dinheiro ao longo de todo o ano e mexem até com a cadeia produtiva do turismo.
Diversificação do setor atrai empreendedores e grandes marcas
Quando a gente pensa em atividade física, a primeira imagem que vem à mente é a de uma academia lotada, com música eletrônica no talo e ruídos intermitentes de barras de ferro se chocando umas com as outras.
Mas a prática de atividades físicas outdoor, especialmente após a pandemia, tem ganhado força. Assessorias esportivas que elaboram treinos para corridas de rua, trekking, ciclismo e triatlo estão na mira dos clientes.
Em 2006, o preparador físico e mestre em Ciência da Motricidade pela UCB/RJ José Florentino Neto lançou um desafio para seus alunos de personal training: uma preparação para correr a Meia Maratona do Rio de Janeiro. Foi o início da ZK, que hoje funciona em João Pessoa. “Fomos a pioneira e, após o êxito alcançado pelos alunos no Rio, houve uma boa repercussão e divulgação, aumentando o número de alunos que procuravam pelos nossos serviços”, rememora.
A demanda estimulou a busca de Florentino por uma maior especialização na área. Ele estima que, nos últimos 2 anos, apesar do severo impacto da pandemia de Covid-19 nos negócios, houve um crescimento médio de 9% ao ano. Atualmente, a ZK conta com 203 alunos e planeja atingir a marca de 300 inscritos nos próximos 2 anos.
O desafio, no entanto, também inclui manter os alunos dentro da equipe e diminuir o abandono da atividade esportiva. “A assessoria oferece um treinamento planejado, com correções posturais por meio de exercícios educativos e de coordenação. Outra vantagem é que a pessoa passa a fazer parte de um grupo, cria relacionamentos e participa de viagens em conjunto para correr fora”, explica.
Nos últimos anos, a gigante das academias Smart Fit criou uma nova marca para abranger novas propostas de academias, diferenciando-as do segmento tradicional. O ramo de studios do grupo Smart Fit entrou em cena em 2017 e hoje conta com quatro marcas: Race Bootcamp, Vidya Studio, Jab House e Tonus Gym.
“Quando olhamos para mercados mais desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa, percebemos um rápido crescimento nesse mercado e que em pouco tempo essa tendência chegaria ao Brasil”, conta Gerson Torres, head de expansão dos studios do Grupo Smart Fit.
O primeiro studio da marca em João Pessoa, que já abriga unidades do ramo tradicional do Grupo SmartFit, deve ser inaugurado no segundo semestre de 2023. A princípio, apenas as marcas Race Bootcamp (focada em circuitos de treinos funcionais) e Vidya (hot yoga) atuarão na capital. Os estudos iniciais e prospecção de mercado já começaram a ser feitos, mas o ponto comercial ainda não foi definido.
O modelo de expansão do grupo se dá principalmente por meio de franquias e a Paraíba é vista como um mercado de alto potencial. “O público do Nordeste consome bastante itens de saúde e bem-estar, é um público que gosta bastante do mundo fitness. Todas as capitais do Nordeste já foram estudadas pela nossa equipe de geomarketing e fazem parte da nossa intenção de crescimento”, detalha.
Eventos esportivos ajudam praticantes a estabelecerem metas e estimulam turismo
Toda prática planejada de exercícios físicos tem mais chance de garantir a retenção de alunos e trazer resultados se houver uma meta a ser atingida. Enquanto na academia o que se busca, em geral, é ter um ganho de massa muscular e outros benefícios estéticos, nas atividades competitivas o sucesso é medido em pace.
Calculado numa proporção de minutos por quilômetro rodado, o pace é objeto de ambição e vaidade entre corredores e ciclistas. Essa cultura veio, em grande parte, com os eventos esportivos, que ganham cada vez mais edições na capital paraibana.
Alguns desses, como a Meia Maratona de João Pessoa — que será realizada em novembro — e a Volta Ciclística de João Pessoa são realizados pela Run. A empresa foi fundada pelo empresário e atleta Olié Martins em 2017.
“Comecei a correr em 2014. No final de 2017, participei de um evento cuja inscrição foi cara e a entrega deixou muito a desejar. A partir daí eu me desafiei a planejar e estudar o mercado de corridas de rua. A Run foi fundada a partir da necessidade de melhorar o nível de excelência das provas aqui de João Pessoa”, conta o empreendedor.
No ano seguinte, foram realizados dois eventos, a Jampa Run 5k e 10k em abril e a Jampa Run 21k em novembro. “Nossos eventos têm um crescimento de 20% a 25% a cada edição. É importante notar que são eventos esportivos e turísticos ao mesmo tempo, o turismo esportivo é muito forte em João Pessoa”, diz. Por essa razão, os principais eventos são posicionados em feriadões nacionais — Tiradentes e Proclamação da República.
A responsabilidade de quem promove eventos esportivos é alta e tem impacto direto no bem-estar e na saúde dos atletas. Cada inscrito recebe um kit com camisa, brindes e número de peito com um chip que mede o tempo desde o limite da largada até o cruzamento da mesma linha na chegada. Por meio do chip, é possível saber o tempo bruto (contabilizado desde o início até o fim da prova), o tempo líquido (em que se considera apenas o momento em que o atleta cruza a largada até sua chegada) e o pace (média de minutos para cada quilômetro).
Ao longo do percurso, há “checkpoints” e pontos de distribuição de água e isotônicos — caso falte água para parte dos atletas, o desempenho deles na prova pode ser prejudicado por conta da ausência de reposição de nutrientes e sais minerais.
“Apesar de eu não correr em nenhuma prova que organizo, eu tento realizar uma prova em que eu gostaria de correr”, conta Olié. “É uma forma de fazer com que as pessoas que venham a João Pessoa para correr saiam daqui satisfeitas”, conclui.
Tecnologia e marketing digital amplia mercados para profissionais
Conciliando os trabalhos autônomo e celetista, o personal trainer Fábio Clístenes atua principalmente com alunos que têm objetivos tradicionais: hipertrofia e ganho de força, o tradicional “puxar ferro”.
“Eu sempre falo para os meus alunos que estética é consequência. O importante é que o exercício ajuda a viver mais e melhor”, ressalta.
Seus 6 clientes — sendo 3 online e 3 presenciais — garantem não só uma renda extra, mas também a possibilidade de realizar treinos personalizados e de colocar em prática, de forma assertiva, seus conhecimentos. Ele percebeu a chance de expandir sua área de atuação por meio do marketing digital e também pela demanda por exercícios no lar durante a pandemia.
“A procura pelo exercício aumentou após a pandemia, as pessoas começaram a se cuidar, já que as comorbidades em consequência do sedentarismo eram as principais causas das mortes por Covid-19. O exercício é tão fantástico que melhora a qualidade do sono, reduz pressão arterial, reduz o sentimento de ansiedade e depressão, reduz os efeitos da osteoporose e fibromialgia entre outros tantos benefícios, tudo isso sem efeitos colaterais”, destaca.
Se antes a ideia era ter apenas uma renda extra, hoje ele busca fazer do personal training e da consultoria online sua atividade principal. Com posts estratégicos no Instagram e articulando sua comunicação em três frentes (reels, stories e feed), ele planeja ampliar a clientela para fora dos limites de João Pessoa.
“Aprendi (marketing digital) vendo tutoriais e procurando outros profissionais da minha área que já usavam os recursos. A visibilidade que as redes oferecem é imensa, hoje tenho clientes fora do estado e já tive em outros países”, relata.
Florentino Neto, da ZK, utiliza um site próprio para atração e captação de novos clientes e também utiliza apps para organizar os treinamentos e feedbacks. O que antes era uma medida emergencial — em 2020, a assessoria precisou suspender os encontros presenciais durante 4 meses — pode ajudar a aumentar a base de alunos.
Pandemia massacrou negócios, mas recuperação tem sido rápida
A partir de março de 2020, parte da economia nacional ficou imobilizada por conta da necessidade de fechamento dos pontos comerciais. As academias e assessorias esportivas precisaram pausar as atividades e quem não tinha caixa para segurar a onda precisou fechar as portas.
Dados da Associação Brasileira de Academias (Acad) mostram que havia 931 empresas do segmento em funcionamento na Paraíba até 2019 — o estado era o 12o do Brasil em quantidade de academias ativas. Durante os anos de pandemia não houve novos levantamentos — uma nova pesquisa deverá sair no final de 2022 —, mas a percepção geral do setor é de que houve queda no número de negócios em funcionamento.
Assim como as academias, os eventos esportivos foram impactados e precisaram amargar cancelamentos e devoluções. “A gente estava com dois eventos ativos. Um deles aconteceria um mês depois de decretada a pandemia e já estava com 1400 inscritos”, lembra Olié Martins.
“O segmento de corrida de rua se uniu nesse período, a gente fazia reuniões com planejamento de curto prazo, para 3 a 5 meses, marcava e remarcava eventos, mas a pandemia continuava. Chegou uma hora em que a gente não marcou mais”, conta.
A volta das atividades só se deu em agosto de 2021, mas a partir daí, veio uma enorme demanda reprimida. “A aceitação foi gigantesca, a Meia Maratona teve dois mil inscritos em 15 dias. As pessoas estavam há muito tempo em casa, muito tempo sem a experiência de uma prova. O fechamento foi doloroso, mas o retorno foi gratificante”, explica.
Os empreendedores Florentino Neto, da ZK, e Fábio Clístenes também amargaram perdas e precisaram fortalecer as atividades à distância durante a pandemia. Mas com a elaboração de planilhas e manutenção dos treinos remotos, a perda inicial não inviabilizou as atividades.
O diretor de expansão dos studios do Grupo Smart Fit, Gerson Torres, relata uma realidade diferente. Como o grupo contava com uma forte reserva de caixa e ampla rede de cobertura, o baque da pandemia não foi tão severo e a recuperação da economia garantiu bons frutos.
“De 2021 para cá praticamente dobramos o número de unidades abertas e as receitas basicamente triplicaram”, diz. Na mesma proporção, houve uma ampliação no número de alunos inscritos nas academias do grupo.
“As pessoas ficaram muito tempo paradas e isso gerou estresse e depressão. Nesse período oferecemos aulas pela internet, mas nada substitui o físico. A partir do momento que foi liberada a presença humana nos estúdios e principalmente após a retirada das máscaras, sentimos um aumento exponencial nas matrículas dos alunos antigos e também ganhamos um número exorbitante de novos alunos”, explica Gerson.
Raio-x do mercado fitness
De acordo com a pesquisa setorial Fitness Brasil, publicada em março de 2022, há 36 mil centros de atividades físicas espalhados por 3,3 mil municípios e quase 10 milhões de usuários. O Brasil só perde para os Estados Unidos em números de academias, com 40 mil pontos.
A International Health, Racquet & Sportsclub Association (IRHSA) estima que o faturamento nacional do setor foi de US$ 2,1 bilhão em 2019, posicionando o Brasil como o maior mercado latino-americano.
A indústria fitness é segmentada em 7 grupos, cada um com suas próprias ramificações e cadeias produtivas:
profissionais — especialistas que atuam de forma autônoma ou com vínculo empregatício;
centros de atividades — academias e outros locais privados que oferecem práticas de atividades físicas (como condomínios, escolas, hotéis e resorts);
agregadores — serviços que atuam em parceria com empresas e órgãos públicos para levar alunos dessas organizações para academias (como Gympass);
patrocinadores — marcas que vendem produtos em centros de atividades;
consumidores — praticantes de atividades físicas que adquirem bens de consumo para essa finalidade, como suplementos e materiais esportivos, e também serviços;
fornecedores — empresas que atuam no formato B2B (business to business), como fabricantes de equipamentos de ginástica;
entidades — conselhos federais e associações do segmento.