O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará em breve o pedido de nulidade do uso da marca “iphone”, disputada entre a norte-americana Apple e a brasileira Gradiente.
As empresas disputam na Justiça o direito ao uso do nome exclusivo em território nacional e o processo, relatado pelo ministro Dias Toffoli, ganhou caráter constitucional e poderá afetar outros casos semelhantes.
“Eu acredito que a interpretação do Supremo será relacionada à função social da marca sob a ótica da Constituição Federal e da Lei 9.279, que é a lei de propriedade industrial. Será que haverá uma flexibilização na interpretação da nossa legislação que aplica o princípio da prioridade do registro da marca? Será que esse direito de exclusividade da marca será interpretado em caráter absoluto ou será flexibilizado para que não cause confusão ao consumidor? E para que não haja desvio de finalidade ou confusão na identificação da marca e que possa prejudicar quem está comprando produtos com o nome ‘iphone’, é possível que ocorra a flexibilização da interpretação da norma”, explicou a professora de Direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, Gracemerce Camboim, mestre em Comércio Exterior e Relações Internacionais.
De acordo com o que explica o portal do STF, o caso teve início em ação apresentada em 2013 pela Apple, visando à nulidade do registro da marca mista “Gradiente iphone” junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A empresa ressaltou seu histórico empresarial, lembrando que a família de produtos ‘i-‘ (iMac, iBook, iPad etc.) está relacionada a ela, e a Gradiente só poderia utilizar a expressão completa “Gradiente iphone”, mas não o termo isoladamente, que atualmente é identificado com seu produto.
“A análise se uma marca é notoriamente conhecida ou não – a demonstração da notoriedade da marca – deve ser ao tempo do registro. E ao tempo do registro, que foi em 2008, o iPhone não era uma marca notoriamente conhecida aqui no Brasil. Aliás, o primeiro iPhone foi comercializado no Brasil apenas em setembro de 2008. Analisando hoje, 2022, a realidade e interpretação é totalmente diferente”, acrescentou a especialista.
A Gradiente argumentou que havia submetido a marca ao INPI em 20 de março de 2000, quando a Apple ainda não atuava no ramo de telefonia celular, e obtido a concessão do registro em 2 de janeiro de 2008. Disse que fizera uso da marca em demonstração e, por um período, deixara de utilizá-la por razões financeiras (que resultaram em pedido de recuperação judicial), retomando o uso no prazo legal.
Hoje, a nacional recorre de decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que manteve a nulidade parcial de registro de marca pelo INPI. A controvérsia chegou a ser submetida ao Centro de Conciliação e Mediação do STF em 2020, mas não houve acordo entre as partes.
“Agora o questionamento é, tendo em vista o registro da marca ‘iphone’ pela Gradiente, ela poderia utilizar com exclusividade a sua marca. É a máxima ‘tem a marca quem registra’. Com o registro, ela também poderá abster que outras empresas possam utilizar a marca ‘iphone’, já que ela possui a prioridade e o registro no INPI. Hoje, o iPhone é uma marca notoriamente conhecida no mundo como um celular, que tem certa tecnologia e pertence à empresa Apple. Será que esse direito de uso exclusivo de uma marca autoriza impedir que a Apple utilize o nome iPhone? Será que cabe alguma exceção na interpretação da norma? Eu acho que o grande questionamento está sendo relacionado a isso”, argumentou Camboim.
No exame do caso, o TRF-2 manteve sentença em que foi declarada a nulidade do registro e determinou que o INPI fizesse ressalva quanto ao uso do nome, de modo a deixar claro que a Gradiente não tem exclusividade sobre a palavra ‘iphone’ isoladamente. Para o TRF-2, não se pode desconsiderar que, entre o depósito da marca no INPI e a da concessão do registro, o mercado envolvendo o iPhone da Apple sofreu significativa alteração, e a empresa havia consolidado o uso do termo na identificação de seus aparelhos celulares. Esse contexto não poderia ter sido desconsiderado pelo INPI, e a demora na análise do pedido não permitiria ao órgão retroagir a situação fática do ano de 2000, criando insegurança para os envolvidos.
“O registro da marca garante a utilização com exclusividade na classe registrada. Além da utilização com exclusividade, você poderá se opor que outras empresas possam se utilizar da sua marca. Esse é o ponto X da questão”, esclareceu a professora.
Diferenciação
Segundo Toffoli, a finalidade da marca é diferenciar determinada mercadoria, produto ou serviço de seus concorrentes. Ela interessa tanto aos empreendedores, que podem explorá-la economicamente sob certa proteção, quanto aos consumidores, que conseguem identificar a procedência, a qualidade e as principais características do produto.
Além disso, para o relator, é preciso considerar que o mundo empresarial é extremamente dinâmico, o que faz com que novos produtos e novas marcas surjam com grande velocidade, demonstrando que a matéria em debate ultrapassa o interesse subjetivo das partes. “O conflito quanto ao uso de determinado signo distintivo poderá surgir entre outras empresas e, ainda, envolvendo diversas outras mercadorias, produtos ou serviços, mormente quando se consideram o dinamismo empresarial e a globalização”, pontuou o ministro na decisão.