Precisamos ir além do Mês da Mulher
As nossas empresas ainda têm muito que evoluir no sentido de criar condições justas e igualitárias de desenvolvimento profissional e competição por altos cargos em seus ambientes internos
Por ser o Mês da Mulher, março é um período que sempre estimula empresas a discutirem representatividade feminina no ambiente de trabalho. Mas, se olharmos para os dados que analisam esse cenário no Brasil, perceberemos facilmente que passou da hora de essa discussão quebrar os limites do mês e se transformar em ações concretas e permanentes.
As nossas empresas ainda têm muito que evoluir no sentido de criar condições justas e igualitárias de desenvolvimento profissional e competição por altos cargos em seus ambientes internos, independente do gênero dos funcionários.
O nível de escolarização entre mulheres no Brasil é maior do que entre homens – o índice de conclusão do Ensino Superior na população feminina entre 24 e 44 anos é 37,9% maior do que na masculina, segundo o IBGE. Além disso, somos a maioria na população em geral e também na base das corporações – um estudo do Instituto Ethos em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento mostra que, entre as 500 maiores empresas do Brasil, 55,9% dos aprendizes e 58,9% dos estagiários são mulheres.
Na outra ponta, a situação é bem diferente: o mesmo estudo mostra uma mulher para cada nove homens nos conselhos de administração. O IBGE também traz números que comprovam que as oportunidades se afunilam conforme sobe o cargo hierárquico: 60,9% dos cargos de gerência nos setores público e privado são ocupados por homens.
A mudança desse cenário depende da adoção de ações concretas por parte das empresas, que passem por políticas igualitárias de atração e desenvolvimento de talentos, cultura interna de aprendizado, valorização das ideias e perspectivas de cada colaborador e, até mesmo, o desenvolvimento de produtos e serviços que levem em consideração a diversidade e a inclusão. Na empresa a qual eu trabalho, por exemplo, estamos fazendo esforços globalmente para que avancemos cada vez mais nessa direção – ainda não chegamos ao cenário ideal, mas tivemos uma conquista importante no início deste ano: fomos incluídos na mais recente edição do Índice de Igualdade de Gênero da Bloomberg, que lista 230 empresas de capital aberto em todo o mundo que adotam medidas concretas para valorizar mulheres em seus quadros, como desenvolvimento de lideranças femininas e redução de disparidades salariais entre gêneros.
Além de políticas tradicionais de igualdade, como padronização de planos de cargos e salários, estimulamos que nossas próprias colaboradoras no mundo inteiro a discutam e realizem ações que levem à sua valorização e ao atendimento de demandas específicas capazes de proporcionar condições de trabalho mais justas para elas.
Assim surgiu o WILL – Women in Learning & Leadership (ou, em português, Mulheres na Aprendizagem e na Liderança), que se desdobra em grupos de funcionárias distribuídos pelos países em que estamos presentes, atuando na realização de ações de aprendizagem, desenvolvimento, networking e mudanças estruturais na companhia.
No Brasil, por exemplo, partiu do WILL a ideia que levou à criação de salas de apoio à amamentação nos três escritórios que temos no país, para que mães de bebês pequenos, ao voltarem da licença, possam extrair leite materno ao longo do expediente em uma estrutura que ofereça privacidade, conforto, segurança e higiene. Essa medida e outras, como a extensão dos períodos de licença-maternidade e também de licença-paternidade – afinal, a busca por um ambiente profissional mais igualitário implica no reconhecimento da igualdade de atribuições também na esfera familiar e doméstica -, vêm nos ajudando a construir uma empresa mais justa.
Como eu disse, ainda não atingimos o cenário ideal. Queremos nos espelhar em empresas que estão mais avançadas que nós e, ao mesmo tempo, esperamos servir de exemplo para companhias que ainda não chegaram ao momento em que estamos. Essas ações não podem ser isoladas. A construção de um mercado de trabalho onde não haja essas disparidades tão gritantes depende do fomento de um ecossistema de políticas de igualdade e valorização que sejam reproduzidas e adotadas por todas as companhias. E essa discussão não pode se encerrar no dia 31 de março de cada ano.
Cinthia Nespoli — Vice-presidente sênior de Legal & Corporate Affairs para países em desenvolvimento da Pearson.